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NARRAÇÃO é um bicho papão?

Narrar é contar um fato, um episódio; todo discurso em que algo é CONTADO possui os seguintes elementos, que fatalmente surgem conforme um fato vai sendo narrado:

                                     Onde ?

                                        |

         Quando?  —      FATO    — com quem?

                                        |

                                    Como?

     A representação acima quer dizer que, todas as vezes que uma história é contada (é NARRADA), o narrador acaba sempre contando onde, quando, como e com quem ocorreu o episódio. É por isso que numa narração predomina a AÇÃO: o texto narrativo é um conjunto de ações; assim sendo, maioria dos VERBOS que compõem esse tipo de texto são os VERBOS DE AÇÃO. O conjunto de ações que compõem o texto narrativo, ou seja, a história que é contada nesse tipo de texto recebe o nome de ENREDO.

   As ações contidas no texto narrativo são praticadas pelas PERSONAGENS, que são justamente as pessoas envolvidas no episódio que está sendo contado (“com quem?” do quadro acima). As personagens são identificadas (=nomeadas) no texto narrativo pelos SUBSTANTIVOS PRÓPRIOS.

    Quando o narrador conta um episódio, às vezes( mesmo sem querer) ele acaba contando “onde” (=em que lugar)  as ações do enredo foram realizadas pelas personagens. O lugar onde ocorre uma ação ou ações  é chamado de ESPAÇO, representado no texto pelos ADVÉRBIOS DE LUGAR.

    Além de contar onde, o narrador também pode esclarecer “quando” ocorreram as ações da história. Esse elemento da narrativa é o TEMPO, representado no texto narrativo através dos tempos verbais, mas principalmente pelos ADVÉRBIOS DE TEMPO. É o tempo que ordena as ações no texto narrativo: é ele que indica ao leitor “como” o fato narrado aconteceu. A história contada, por isso, passa por uma INTRODUÇÃO (parte inicial da história, também chamada de prólogo), pelo DESENVOLVIMENTO do enredo (é a história propriamente dita, o meio, o “miolo” da narrativa, também chamada de trama) e termina com a CONCLUSÃO da história (é o final ou epílogo). Aquele que conta a história é o NARRADOR,  que pode ser PESSOAL (narra em 1ª  pessoa : EU…) ou IMPESSOAL (narra em 3ª  pessoa: ELE…).
   Assim, o texto narrativo é sempre estruturado por verbos de ação, por advérbios de tempo, por advérbios de lugar e pelos substantivos que nomeiam as personagens, que são os agentes do texto, ou seja, aquelas pessoas que fazem as ações expressas pelos verbos, formando uma rede: a própria história contada.

Exemplo de um texto narrativo

Titulo: Um homem de consciência – Monteiro Lobato

1.º parágrafo
Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. [Até aqui é exposição.]2.º parágrafo
Nunca fora nada na vida, nem admira a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.
3.º parágrafo
Mas João acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca. [Nesses dois parágrafos, discurso do narrador.]4.º parágrafo
– Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons
– agora só um bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal há serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando… [Monólogo interior.]
5.º parágrafo
João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. [Discurso do narrador.]
6.º parágrafo
– É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxe e boto-me fora daqui. [Monólogo interior.]7.º parágrafo
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que na era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…
8.º parágrafo
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima.
Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!…[Discurso do narrador.]9.º parágrafo
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as mals. Pela madrugada botou-as num burro, montou seu cavalo magro e partiu. [Clímax da história.]
10.º parágrafo
– Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
11.º parágrafo
– Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
12.º parágrafo
– Mas, como? Agora que você está delegado?
13.º parágrafo
– Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus. [Discurso direto.]14.º parágrafo
E sumiu. [Desfecho.]

Exposição: 1.º parágrafo
Desenvolvimento: do 2.º ao 13.º parágrafo
Desfecho: 14.º parágrafo
Complicação: 7.º e 8.º parágrafos.
Clímax: 9.º parágrafo

Os pecados cometidos na narração

1. Uso e mau uso das palavras: A menina esteve sentada ali durante toda a tarde. Coitada da menina, não sabia que a consulta duraria tanto e que sua mãe ficaria, então, preocupada. A menina pediu para telefonar e falou com a mãe, explicando-lhe a demora.Dica: procure substituir os nomes por pronomes quando perceber que você repetiu muito a mesma palavra.

2- Falta de coerência interna: Outro aspecto também muito desgastante: levando-se em conta que uma narrativa é uma sucessão de acontecimentos que ocorrem em tempo e espaço determinados, que envolvem ações feitas e recebidas pelas personagens, é interessante que jamais percamos a coerência interna.

Precisamos ter atenção na construção do texto narrativo, a fim de que ele, que é como se fosse um tapete num tear, não perca suas qualidades de completude. Deixar pelo caminho situações mal desenvolvidas, circunstâncias mal nomeadas ou esclarecidas dão sempre a ideia de desatenção, pressa ou falta de cuidado com a tessitura do texto. Ele deve sempre parecer um todo verossímil, capaz de convencer quem o leia. Imitação da vida ou ultra-realidade, o texto não pode, a não ser por escolha do autor, como estilo, parecer frágil em alguns aspectos, sem resistência de continuidade.

Mesmo que o tempo seja “cortado” e nele se insiram os flashback, não permita que ele se fragmente e esses fragmentos esgarcem a compreensão do que você imprimiu à sua história.

Dica: lembre-se de que a narrativa é como uma vida, um trecho dela: há circunstâncias que, se retiradas, fazem-na tornar-se = incompleta ou superficial

3- Ausência de características das personagens: Quando construímos a personagem ou personagens, sabemos que elas devem parecer verdadeiras, criaturas assemelhadas que são aos humanos. Mesmo numa fábula ou num apólogo, em que animais ou coisas são personificados, há uma tendência de caracterizá-las como criaturas do mundo real.

Uma personagem, sobretudo a protagonista, deve ter traços fortes, típicos, particulares. Se você criá-las sem características específicas, não há como ressaltar- lhe os atos e tomá-los significativos na sequência da narração.

Dica: uma boa personagem tem um cacoete qualquer; uma cor de olhos, tiques, manias, gestos (passar a mão no cabelo, estalar os dedos ou balançar a cabeça de um lado para o outro.)

4- Uso reiterado de adjetivos: Imagine se você lesse um início de narrativa assim: “Numa linda, perfeita, maravilhosa, fantástica e ensolarada manhã de primavera brasileira, aquela extraordinária jovem de cabelos longos, negros e volumosos abriu a ampla janela para o belíssimo e perfeito jardim…”  Diga a verdade: você aguentaria ler o resto? É evidente que, ao descrever uma personagem ou o ambiente em que ela se encontra, precisaremos da ajuda de adjetivos; mas saiba priorizá-los no uso, evitando abundância desnecessária.  Uso ampliado de adjetivos também desgasta (como no exemplo acima) o texto, banaliza-o e nada acrescenta a ele senão um certo pernosticismo que todos queremos evitar.

5- Começo, meio e fim… Um bom texto narrativo deve seguir esta sequência: começo, meio e fim? Nem sempre. Muita gente, quando escreve, imagina que, para ser compreendido, é preciso ser didático. Errado, pecado mortal. Não acredite nisso. Uma outra pergunta que se faz muito ao intentar um texto narrativo é se ele pode terminar em “aberto”, ou seja, apenas com a sugestão de fecho, aceitando a interferência, a interação com o leitor que pode, de acordo com suas vivências e experiências, “fechá-lo” à sua maneira. Isso é uma boa dica, acredite, para fazer melhor o seu texto. Experimente, por exemplo, começá-lo pelo clímax, assim você rompe o lugar comum e chama mais a atenção do seu corretor, que tal?

6- Esquecendo uma personagem: Antes de começar o seu texto, lembre-se de ler com atenção todas as recomendações do enunciado e não se esquecer de qualquer recomendação. Sobretudo quando se trata de criar um determinado tipo de personagem. Se o enunciado pedir a você que crie um detetive, uma mulher que lê mãos, um homem misterioso de chapéu, tais pedidos, certamente, fazem parte fundamental do que se pretende da narrativa. Pior do que isso é começar a narrar e, após citar uma personagem, esquecê-la, deixá-la de lado, não trazê-la ao fio da história para que se desenvolva plenamente. “Esquecer” uma personagem é ato narrativo imperdoável.

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