O Meu Guri
(HOLANDA, Chico Buarque de. Álbum Almanaque, 1981)
Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar
Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar
Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega suado
E veloz do batente
Traz sempre um presente
Prá me encabular
Tanta corrente de ouro
Seu moço!
Que haja pescoço
Prá enfiar
Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro
Chave, caderneta
Terço e patuá
Um lenço e uma penca
De documentos
Prá finalmente
Eu me identificar
Olha aí!
E veloz do batente
Traz sempre um presente
Prá me encabular
Tanta corrente de ouro
Seu moço!
Que haja pescoço
Prá enfiar
Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro
Chave, caderneta
Terço e patuá
Um lenço e uma penca
De documentos
Prá finalmente
Eu me identificar
Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega no morro
Com carregamento
Pulseira, cimento
Relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar
Cá no alto
Essa onda de assaltos
Tá um horror
Eu consolo ele
Ele me consola
Boto ele no colo
Prá ele me ninar
De repente acordo
Olho pro lado
E o danado já foi trabalhar
Olha aí!
Com carregamento
Pulseira, cimento
Relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar
Cá no alto
Essa onda de assaltos
Tá um horror
Eu consolo ele
Ele me consola
Boto ele no colo
Prá ele me ninar
De repente acordo
Olho pro lado
E o danado já foi trabalhar
Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega estampado
Manchete, retrato
Com venda nos olhos
Legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente
Seu moço!
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato
Acho que tá rindo
Acho que tá lindo
De papo pro ar
Desde o começo eu não disse
Seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Manchete, retrato
Com venda nos olhos
Legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente
Seu moço!
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato
Acho que tá rindo
Acho que tá lindo
De papo pro ar
Desde o começo eu não disse
Seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí
Olha aí!
E o meu guri!…(3x)
Ai o meu guri, olha aí
Olha aí!
E o meu guri!…(3x)
1) Quem fala nessa música? Para quem se fala? Comprove sua resposta com elementos da letra.
2) O que significa dizer: “Não era o momento dele rebentar”?
3) Quais são as possíveis condições socioeconômicas do eu lírico? Justifique sua resposta com elementos da música.
4) Quando se diz: “Como fui levando/Não sei lhe explicar/Fui assim levando/Ele a me levar”, quais os possíveis sentidos do verbo levar aí? Levar o quê?
5) A expressão “Chegar lá” é muito comum na nossa sociedade. Qual sentido ela adquire na letra d’O meu guri?
6) A expressão “Olha aí” aparece várias vezes durante a música. Ela aparece sempre com o mesmo sentido? Explique.
7) Que visão a mãe tem do filho e do trabalho dele?
8) O guri parece ser um rapaz trabalhador? Justifique sua resposta.
9) O guri levou para a mãe uma “bolsa já com tudo dentro”, e ela, inocentemente, achou que era um presente. E você, no lugar da mãe, como interpretaria essa situação?
10) Explique os possíveis sentidos que o trecho “Chega suado/E veloz do batente” pode ter.
11) Veja o seguinte trecho: “Um lenço e uma penca/De documentos/Pra finalmente/Eu me identificar”. Que sentido a palavra finalmente traz para o trecho em questão?
12) O trecho “É o meu guri e ele chega!/ Chega estampado/Manchete, retrato/Com venda nos olhos/Legenda e as iniciais” revela uma cena. Que cena é essa? O que aconteceu?
13) Por que, depois dessa cena, o guri apareceu com venda nos olhos e, na legenda, só apareceram as iniciais?
14) Por que, depois dessa cena, o eu lírico diz: “Desde o começo eu não disse/Seu moço!/Ele disse que chegava lá!”? Ele realmente chegou lá? Explique.
Gabarito:
1) Quem fala na música é uma mãe que se dirige ao “seu moço”, o qual parece representar a comunidade em geral. Para se dirigir ao povo, ela faz o uso de uma espécie de vocativo: “Seu moço,”. Esse povo pode ser também uma pessoa apenas, como por exemplo, um policial que aparece no desfecho da história, ou um jornalista, a contar a verdade desse guri para essa mãe. E há passagens que comprovam que se trata de uma mãe, como, por exemplo: “Nasceu meu rebento” e “Ai o meu guri, olha aí!”. O uso do pronome possessivo ‘meu’, nos dois trechos, revela que se trata de uma mãe a falar do filho. Além disso, os personagens dessa música podem servir de metonímia daqueles que não têm projeção social nem perspectiva de vida na sociedade contemporânea, uma vez que os personagens não têm nome, podem, portanto, representar a história de qualquer um.
2) Significa que, no momento em que o guri nasceu, a mãe não estava preparada para recebê-lo nem para cuidar dele, seja psicológica ou financeiramente falando. Com isso, pode-se perceber que ela teve uma gravidez não planejada e sem a presença do pai da criança.
3) Provavelmente o eu-lírico possui condições socioeconômicas precárias. Podemos perceber isso por meio da realidade que se revela em trechos como: “E eu não tinha nem nome//Pra lhe dar//Como fui levando//Não sei lhe explicar//Fui assim levando//Ele a me levar”; “…e uma penca//De documentos//Pra finalmente//Eu me identificar”; “Chega no morro”. Tais trechos nos mostram que essa mãe mora na periferia, ao utilizar a palavra ‘morro’, e que ela sequer tinha documentos, embora já mais madura. Além disso, quando ela diz: “E eu não tinha nem nome//Pra lhe dar”, o ‘nem’ revela que havia outras coisas, além do nome, que ela também não podia dar ao filho, como, por exemplo, comida, escola, qualidade de vida.
4) Os trechos “como fui levando” e “fui assim levando” denotam que a mãe foi criando o filho sem ter boas condições financeiras. Nessas expressões, o verbo ‘levar’ se relaciona à criação do filho, ao modo como ela ia sobrevivendo. Já no trecho “Ele a me levar”, o verbo ‘levar’ apresenta outros sentidos, o sentido de que o filho ajudava a mãe em casa e também no sentido de que ele a enganava, ato ao que, popularmente, referimo-nos por meio de expressões como: “levar no bico/no papo/na lábia”.
5) A expressão “Chegar lá”, muito comum na nossa sociedade, significa ascender socialmente, financeiramente e, talvez, intelectualmente, ou seja, chegar em um patamar que nos permite ter boa qualidade de vida. Além disso, pessoas que ‘chegam lá’, pessoas bem sucedidas costumam aparecer no jornal. Na letra d’O meu guri, a expressão diz respeito a uma ascensão social, entretanto, para ascender socialmente, o guri se valia de meios ilícitos, que vão contra as regras sociais, ou seja, ele queria ter qualidade de vida sem esforço, queria ganhar dinheiro facilmente.
6) Não. Ora ela aprece com o sentido de “Olha bem”, “Preste atenção”, ora com o sentido de “Olhe na fotografia”.
7) A mãe enxerga de forma inocente o “trabalho” do filho. Ao vê-lo sair de casa sempre muito cedo, chegar sempre cansado, suado e com muitas coisas para a casa, ela imaginava que ele era um rapaz cujo trabalho era honesto, o que, na verdade, não era
8) Aparentemente, sim. Uma vez que ele sempre sai de casa cedo, o que é comum na vida de muitos trabalhadores, e sempre chega cansado e suado, uma característica muito associada, nos dias de hoje, a pessoas que trabalham muito, arduamente. Por outro lado, é possível desconfiar do “trabalho” desse guri, uma vez que, em momento algum se fala onde ele trabalha, com o que ele trabalha, e , ainda assim, ele sempre chega com artigos de valor em casa.
9) Nessa questão, o professor deve levar os alunos a problematizarem a postura dessa mãe, ou seja, julgarem se ela agia corretamente, se ela sabia, de fato, ou não das coisas que o filho fazia e se, hoje, é possível existir uma mãe assim, com essa postura.
10) A princípio, pode se imaginar que o guri chega suado por ter trabalhado muito, isso porque a palavra ‘batente’ é associada a trabalho. Entretanto, quando se diz que ele chegava suado e veloz, isso pode significar que ele estava fugindo, ou da polícia ou de outras pessoas, já que roubava. Mas, para a mãe, ele vinha do ‘batente’, e, como a história da música é contada sob a perspectiva da mãe, utilizou-se a palavra ‘batente’ para se referir ao “trabalho” pesado que o guri desempenhava.
11) A palavra mostra que a mãe, dada sua situação socioeconômica, ainda não tinha documentos. O ‘finalmente’ nos mostra que essa identificação vem de forma tardia, já que o natural é termos essa identificação desde crianças.
12) Trata-se de uma cena em que a mãe vê o filho morto no jornal. Provavelmente em uma tentativa de fuga, o filho não escapara e fora morto. Por isso, o nome dele e a manchete noticiando o fato no jornal.
13) Porque o guri era menor de idade. Quando se é menor de idade, em casos policiais, não se podem divulgar o nome da pessoa nem a imagem nítida de seu rosto em meios de comunicação.
14) Como o “chegar lá” possui vários sentidos, há várias possibilidades, tanto sob a perspectiva da mãe quanto sob a perspectiva do filho. A expressão ode se referir a se tornar o chefe dos bandidos, virar celebridade, ficar famoso, ficar rico, etc. Nessa questão, o professor deve levar os alunos a perceberem as dificuldades existentes hoje para se ascender socialmente. Para isso, pode-se discutir: a exclusão social, os meios de se ascender socialmente hoje, o que leva algumas pessoas a roubarem, como se pode resolver essa situação hoje, etc.
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