A leitura feita pelo professor tem que ser constante na alfabetização |
Sempre que o professor lê para a turma, revela as múltiplas possibilidades que os textos oferecem. Essa é uma das quatro situações didáticas básicas no processo de alfabetização. “As crianças conhecem narrativas, lugares, personagens e autores e têm a oportunidade de se encantar com a leitura. O desejo de aprender a ler para decifrar os livros preferidos com autonomia e descobrir novas histórias aumenta de intensidade”, diz Ana Flavia Alonço, pedagoga e formadora de professores do Projeto Entorno, da Fundação Victor Civita.
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A leitura, como prática social, pode ser ensinada em situações em que a turma toda participe, comentando o que foi lido, levantando e explicitando hipóteses, debatendo ideias. Atitudes como essas compõem o chamado comportamento leitor, capaz de ser desenvolvido desde muito cedo com a ajuda dos mais experientes. A figura de pais e professores é fundamental, pois eles assumem o papel de condutores de seus ouvintes para um mundo fantástico. Nas palavras da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, “a leitura é um momento mágico, pois o interpretante informa à criança, ao efetuar essa ação aparentemente banal, que chamamos de ‘um ato de leitura’, que essas marcas têm poderes especiais: basta olhá-las para produzir linguagem”.
É preciso, porém, ter em mente a intenção da leitura. Não basta simplesmente fazer uma sessão por dia sem propósito comunicativo. “Quando o professor lê, tem de considerar sua ação como prática social que entretém, emociona, informa e diverte. Mas também deve estar ciente dos objetivos didáticos a que ela se destina – por exemplo, diferenciar a linguagem escrita da falada ou conhecer o estilo de um autor”, afirma Célia Prudêncio, formadora do Programa Ler e Escrever, do governo do estado de São Paulo. Segundo ela, se os objetivos não estiverem claros, a leitura, por si só, não dá conta de alavancar o processo de alfabetização, pois faltam os procedimentos necessários à mediação entre o professor, os alunos e a linguagem escrita.
Indicações e leituras literárias feitas pelo professor
Neste trabalho, o professor:
– Apresenta à turma autores em obras de reconhecida qualidade.
– Comunica os motivos pelos quais selecionou o livro.
– Lê o texto tal qual está escrito.
“Professora, bem que você disse que eu ia adorar aprender a ler.” Sirley Aparecida Mastini da Costa, da EMEF Padre Gregório Westrupp, em São Paulo, guardou a frase na lembrança. Dita por um aluno de 1º ano em 2008, ela mostra o resultado de um investimento feito desde o primeiro dia letivo – incluir a leitura na rotina da classe. Os alunos não tinham o hábito de ouvir e comentar histórias. De 33 crianças, apenas duas eram alfabéticas no início do ano letivo. Em dezembro esse número saltou para 29 e todos passaram a participar de discussões sobre as obras lidas, diferenciar versões da mesma história e conhecer o trabalho de autores como Ziraldo e Monteiro Lobato. “Atuar como leitores competentes é também um aprendizado. Por isso, seleciono obras clássicas e atuais para ler diariamente”, conta Sirley.
A atenção dos pequenos ouvintes ficou cada vez maior e cresceu também a vontade de conhecer outros livros. Eles passaram a levar exemplares de casa para a escola, cobrar os momentos de leitura, participar de atividades de contação de histórias organizadas pelos mais velhos e, já alfabetizados, montar as próprias rodas literárias. “Depois que uma atividade acaba, vão por conta própria para o fundo da sala, retiram livros das estantes e leem para os colegas”, diz Sirley.
Com tais objetivos em vista, a professora investiu na organização dos momentos de leitura: “Para entrar no clima, converso com as crianças sobre o autor e sobre o que o título da história parece sugerir”. Aspectos como esses devem ser levados em consideração durante o planejamento da aula. Ou seja, uma boa preparação requer uma pesquisa detalhada sobre o autor, o ilustrador e, se houver, a coleção elementos que não apenas enriqueçam o repertório da turma como também sirvam de base para as escolhas que todos farão como leitores. Além disso, é importante definir previamente possíveis intervenções que auxiliem na compreensão do texto e, sempre que possível, treinar a história em voz alta, com ritmo e gestos, todos a serviço da produção de sentido por parte dos pequenos. Resta, então, definir qual o melhor momento da rotina para a leitura em voz alta, lembrando sempre que a quantidade de vezes em que ela é realizada é menos relevante do que a qualidade da situação didática.
A escolha dos textos requer cuidados especiais. “Devem ser obras bem escritas, que encantem as crianças. E é importante que o professor também conheça e aprecie a história”, orienta Ana Flavia. A qualidade se faz ainda mais necessária, pois a leitura em voz alta é uma porta fundamental para que os pequenos entrem no mundo letrado (leia a sequência didática). “Além da história, as crianças assimilam aspectos da estrutura do texto. Percebem que, para escrever, é preciso ter muitas letras e colocadas em lugares certos”, afirma Maria Peregrina de Fátima Rotta Furlanetti, do Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Presidente Prudente, a 565 quilômetros de São Paulo. Entre os textos literários, é recomendável evitar aqueles em que a transmissão de uma moral supere a qualidade literária.
Outro cuidado de Sirley é em relação ao vocabulário. Ela não troca nem simplifica palavras. “Ao contrário, procuro mostrar que, para descobrir o significado de termos desconhecidos, basta procurá-las no dicionário”, diz. De acordo com Ana Flavia, a medida é importante “porque cada palavra contribui para a beleza do texto literário e também porque, ao ouvir histórias, as crianças estabelecem relações acerca dos termos que não conhecem e ampliam seu repertório”.
Os alunos escolhem as obras que serão lidas pelo professor
Créditos NOVAESCOLA |
Neste trabalho, o professor:
– Apresenta a variedade de gêneros literários.
– Aponta estratégias para buscar informações em títulos, subtítulos e legendas.
– Desperta nos alunos a vontade de cuidar dos livros.
Todos os dias, a professora Maria Aparecida de Araújo Silva, responsável pela sala de leitura da EM Teresa Cristina, em Salvador, passa pelas salas de Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental levando uma mala de rodinhas que esconde um verdadeiro tesouro. É a biblioteca circulante, que tem até uma boneca de pano como mascote. Abastecida com frequência pela biblioteca da escola, ela contém mais de 40 livros, entre obras literárias, poesia, dicionários e publicações sobre arte e animais.
“Antes de começar abrir a mala, leio um livro ou texto avulso, que levo do lado de fora para criar um clima gostoso. A intervenção inicial dura cinco minutos. Depois disso, as crianças exploram as obras para escolher a história que lerei a seguir”, diz Maria Aparecida. Ela também investiu na decoração da sala de leitura com almofadas e tapetes doados, que lotam na hora do recreio, e na instalação de sapateiras, que servem de estantes em todas as salas até o 2º ano.
Em cada momento de leitura, as crianças se organizam ao redor da professora, de modo que todas possam escutá-la claramente e enxergar as páginas da publicação. Maria Aparecida comenta, então, algum aspecto da história, como quem é o personagem principal ou onde a trama se passa. Assim, fornece elementos que ajudam os pequenos a formular suas primeiras hipóteses. E vale lembrar que esse é um ótimo momento para combinar com as crianças que elas devem evitar interrupções. “Explique que muitas dúvidas são respondidas no desenrolar da história e que, no fim da leitura, poderão perguntar o que não entenderam, pedir a releitura de trechos e até folhear o exemplar”, diz Ana Flavia Alonço.
Esse momento posterior à leitura é bastante flexível – só não deve cair na rotina de, por exemplo, sempre terminar com um desenho sobre a história que foi apresentada. “É preciso ter sensibilidade para perceber as necessidades da turma, que podem ser um reconto, uma dramatização, um debate de ideias ou até mesmo o silêncio”, sugere Maria Peregrina Furlanetti, da Unesp.
Desse modo, os resultados não demoram a aparecer. As turmas, que antes do início do projeto de biblioteca circulante chegaram a estragar 45 livros em uma semana, têm hoje só leitores interessados e responsáveis. “Independentemente da idade, todos querem cuidar dos volumes, escolher as obras preferidas e até inventar as próprias histórias”, conta a professora.
É importante garantir a diversidade textual, realizando a leitura de obras literárias, contos, poemas e notícias, entre outros (leia o projeto didático). Esse contato permite à criança apreender as características específicas de cada gênero, bem como os propósitos com que são escritos e lidos. De acordo com Célia Prudêncio, “a variedade de gêneros deve ser um eixo do trabalho do professor, ou seja, ler diferentes textos com diferentes objetivos”. Por exemplo: buscar informações em títulos, selecionar dados e reler para retomar dúvidas ou apenas voltar a trechos apreciados.
Juntos, então, professor e alunos exploram essa imensa gama de possibilidades, num processo ativo de construção de significados, que coordena informações de diversas procedências – conhecimentos do leitor, dados do texto e informações fornecidas pelo contexto.
Leitura pelo professor de gêneros variados
Créditos NOVAESCOLA |
Neste trabalho, o professor:
– Aproxima os alunos de diferentes gêneros textuais.
– Cria situações em que eles possam atuar como leitores.
– Abre espaço para que elas demonstrem livremente suas impressões.
Daniela Ribeiro deu aulas em 2008 para a turma de 1º ano da EMEF Rosalvito Cobra, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Quando alguém pergunta qual é o segredo para terminar o ano com todos os alunos alfabetizados, ela não pensa duas vezes: a leitura. Antes de entrar em sala, ela treina a entonação. Já com os alunos, lê o título, comenta o tema e abre o livro, sem trocar palavras para simplificar o vocabulário.
O cardápio de textos oferecidos é bem variado. Nesse caso, é importante explicar por que determinada leitura foi escolhida, o que faz dela algo especial – tem frases engraçadas, ilustrações interessantes, um tema atual ou um personagem curioso – e deixar claro qual será o gênero. Revelar esses elementos ajuda as crianças a selecionar as próprias leituras e justificar tais escolhas.
Na sala de Daniela, as obras vão de clássicos, como O Mágico de Oz, que ela lê em capítulos, a textos informativos. Todas as sessões de leitura são seguidas de conversas para a exposição de ideias (leia a atividade permanente). “Depois de ouvir a leitura de um texto sobre um animal, por exemplo, as crianças se divertem falando sobre o lugar onde ele mora e outras curiosidades. É nesse espaço que podem demonstrar livremente suas impressões. Para tanto, é importante não interromper e não induzir a opiniões. Quando mais de uma criança falar ao mesmo tempo, basta pedir que esperem a vez. É enriquecedor voltar aos trechos comentados pela turma e ajudar a identificar pontos em que as imagens são fundamentais para o desenrolar da história. Ensinar a ler não é transmitir conteúdos, mas criar situações em que as crianças possam atuar como leitoras. Foi assim que os alunos de Daniela passaram a agir. “Percebi que, ao longo do ano, eles se sentiram cada vez mais motivados a ler, em especial porque queriam muito encontrar as informações”, conta.
A roda de biblioteca complementa a leitura diária. Toda sexta-feira, cada aluno escolhe um livro para levar para casa. Na segunda, fazem roda para comentar o que gostaram, o que não agradou, se leram com ajuda ou não, se as expectativas foram correspondidas – hábitos que podem ser construídos antes mesmo de a turma dominar a escrita.
Por: Luiza Andrade (novaescola@novaescola.org.br), reportagem sugerida pela leitora Josélia de Castro Silva, Petrópolis, RJ
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