O sucesso da aula depende da interação entre todos, além de sua capacidade de se antecipar e se preparar para imprevistos. Veja como se sair bem em 20 situações difíceis
Escrito por: Fernanda Salla – Fonte: NOVAESCOLA
Como você se sente na hora em que abre a porta da sala e entra para dar sua aula? Confiante ou apreensivo? Quem leciona sabe que a tensão vem quando não se está bem preparado. O planejamento é um pré-requisito para o seu trabalho – não há dúvida. Mas, na hora de colocá-lo em prática, o que fazer se um aluno não entende o que você pediu? E se faltou tempo para terminar a tarefa? Pior: se as crianças começam a brigar? Nem os educadores experientes estão livres de momentos como esses. “Ter uma boa gestão da sala de aula ajuda a contornar problemas desse tipo. O professor tem de dar conta do previsto, lidar com o inesperado e administrar a rotina para que todos aprendam”, diz Rosaura Soligo, coordenadora de projetos do Instituto Abaporu de Educação e Cultura, em Salvador.
No livro Ensinar: Agir na Urgência, Decidir na Incerteza (208 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 60 reais), Philippe Perrenoud diz que as particularidades da sala de aula fazem com que o professor enfrente uma série de impasses sobre como atuar e precise manter o equilíbrio entre fazer o planejado e não reprimir os alunos. “Esses dilemas não conseguem ser totalmente superados pela experiência nem pela formação. No entanto, a consciência de que eles ocorrem ajuda a conviver com a complexidade.” O sucesso do ensino depende de vários fatores, como a interação entre as crianças e a relação delas com você e com o objeto de conhecimento. Para planejar levando em conta a personalidade e o nível de aprendizado de cada um, é preciso observar, fazer diagnósticos e analisar a produção deles com frequência.
“Toda semana, troco impressões e sugestões de atividades com os colegas que são ou já foram professores da minha turma e com os gestores”, conta Carla Jandrey, professora de Matemática, Física e Química do 9º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Sagrada Família, em Santa Cruz do Sul, a 150 quilômetros de Porto Alegre. Informações valiosas como as levantadas por Carla servem de base para pensar nos objetivos de aprendizagem e eleger projetos e atividades desafiadores para todos.
Outra vantagem de conhecer bem a turma é conseguir antecipar situações que podem surgir durante a aula. Assim, você já leva na manga algumas intervenções alternativas para elas. “Além de escolher e preparar os recursos necessários, calcular o tempo do trabalho e saber como organizar a sala, o professor precisa prever como as crianças reagirão diante do que vai apresentar. Dessa forma, ele garante um preparo mínimo para resolver possíveis problemas”, diz Andréa Patapoff Dal Coleto, docente do Programa de Educação Infantil e Ensino Fundamental (Proepre) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Tem coisas que acontecem em toda sala, como um aluno ser bem mais rápido do que os colegas. Outras dependem de cada criança e atividade e pedem intervenções individuais. Por isso, passo nas mesas para atender todos”, diz Valéria Aparecida Dutoit, professora do 3º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Comandante Gastão Moutinho, na capital paulista.
Às vezes, no entanto, não tem jeito. Mesmo quem faz um planejamento cuidadoso pode ser pego de surpresa. Para se sair bem dessas circunstâncias, a experiência conta muito. “Fazer registros e analisar a prática permitem saber o que deu certo e o que não foi bom e pensar nos motivos que levaram àquele resultado”, diz Celso dos Santos Vasconcellos, diretor do Libertad – Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica, em São Paulo. Essa prática faz parte da rotina de Marci de Flório Almeida, professora de Educação Infantil da Escola Municipal Educadora Yolanda Conti Bertoni, em Guaxupé, a 478 quilômetros de Belo Horizonte. “Anoto diariamente observações da aula, faço um relatório reflexivo semanal e mostro para a coordenadora pedagógica. Depois, conversamos sobre como aprimorar minha prática.”
Com o auxílio de especialistas da área, além de Carla, Marci e Valéria, que estão diariamente em classe, NOVA ESCOLA listou 20 situações enfrentadas com frequência pelos professores e indica, nas próximas páginas, como proceder diante delas. A reportagem deve ajudar você a aprimorar sua gestão da sala de aula e entrar em classe mais confiante.
Como resolver falhas na interação
A maneira de conduzir a relação entre os alunos, interagir com eles e propor as atividades interfere na aprendizagem. Veja como você pode atuar nas situações em que há problemas de comunicação
Os estudantes não entendem as orientações
“Quando uma proposta tem um resultado ruim, o problema pode estar na consigna malfeita”, diz Rosaura, do Instituto Abaporu. Ao apresentar uma atividade, use exemplos e explique de várias maneiras o que deve ser feito. “Eu peço que os alunos digam o que entenderam da minha orientação. Assim vejo se tudo ficou claro”, afirma a professora Carla, que leciona para turmas do 9º ano. Circular pela sala e observar como as crianças estão realizando a tarefa também funciona. Nesse momento, você pode intervir caso ainda haja dúvida e garantir que todos trabalhem bem.
A turma acha que toda regra é negociável
Os combinados são uma maneira eficiente de fazer a gestão democrática da sala. Eles podem ser sobre a organização da classe e dos materiais, por exemplo, mas, para pontos como os horários das aulas e a não-tolerância a agressões, não existe negociação. Com relação a questões dessa natureza, é preciso se valer de sua autoridade, mas sem ser autoritário. “Eu converso com as crianças e explico o motivo de a regra existir para que todas percebam a necessidade dela. Nessa discussão, mostro o que acontece quando uma norma desse tipo é quebrada”, conta Marci, professora de Educação Infantil.
O aluno só responde quando tem certeza
Incentive a criança a dar uma resposta também quanto ela tiver dúvidas. Mesmo que a conclusão dela esteja errada, alguns colegas podem ter feito o mesmo raciocínio. Peça que ela explique o que pensou. Para ajudá-la a reconstruir esse caminho, faça perguntas. Também não se contente quando um estudante acertar. Ele vai aprender mais se você pedir que justifique sua conclusão. Quando temos de contar aos outros algo que sabemos, desenvolvemos outra valiosa habilidade. Por fim, instigue os demais a dizer se concordam com a opinião dada e apresentem as razões.
Algumas crianças não interagem
Passe sempre pelas carteiras para verificar se todos estão participando das atividades realizadas em duplas ou em grupos. Cabe a você ensinar a garotada a produzir de forma cooperativa. Valéria, professora do 3º ano, conta que quando começou a propor agrupamentos percebeu que a falta de familiaridade com esse formato era uma dificuldade para muitas crianças. “Eu ajudava na organização da equipe. Pedia que me dissessem a função de cada um e como tinham estruturado o trabalho. Com o tempo, elas passaram a se organizar com mais autonomia.”
Há muita conversa durante as atividades
Interação não tem nada a ver com indisciplina. “Uma sala que valoriza a troca de ideias é ruidosa porque as crianças falam, argumentam, compartilham e questionam soluções e hipóteses. Essas situações de diálogo favorecem o desenvolvimento cognitivo”, afirma Andréa, da Unicamp. Para que a aula não vire bagunça, observe se a discussão gira em torno do tema proposto. Caso a conversa seja sobre outra coisa qualquer, ajude o aluno a retomar o foco de onde parou. Uma maneira de fazer isso é lançar algumas perguntas que estimulem todos a refletir com você sobre o assunto que está sendo estudado.
Nem todos são ouvidos no decorrer da aula
Muitas vezes, é difícil prestar atenção em todos os alunos e você pode acabar interagindo só com aqueles que se sentam perto da sua mesa. É importante, porém, assegurar que cada um tenha a oportunidade de ser ouvido, inclusive os da “turma do fundão”. Uma estratégia é priorizar em cada momento da aula a participação de alguns estudantes. “Quando estou fazendo a sistematização de um conteúdo no quadro, chamo os que ainda não se manifestaram”, conta Valéria.
A classe se mostra desmotivada
Situações instigantes e projetos bem elaborados são o que costuma motivar os estudantes. O que você propõe deve fazer sentido para eles. Esteja sempre atento aos pontos de vista e aos interesses da turma. “Meus alunos querem mostrar suas opiniões. Por isso, reservo momentos para argumentarem sobre temas variados”, conta Carla. Outras dicas básicas: variar sempre as atividades, usar diferentes recursos, como os tecnológicos e os jogos, e estimulá-los a querer saber mais. “A curiosidade leva em direção ao novo e estimula o conhecimento”, afirma Andréa.
O que é possível antecipar
Prever problemas que podem surgir durante a aula para preparar antes as intervenções ajuda você a se fortalecer perante a turma. Confira alguns fatos corriqueiros em sala e formas de lidar bem com eles
Um aluno termina a tarefa antes dos demais
Evite que os mais rapidinhos fiquem de bobeira, sem aprender nada e ainda atrapalhando os colegas, tendo sempre uma atividade extra preparada. Na Educação Infantil, Marci resolve isso com cantos de atividades. “Além das propostas planejadas para alcançar os objetivos de aprendizagem, mantenho vários deles. Quando alguém termina o que foi pedido, sugiro que escolha um.” Os temas são decididos com a turma toda semana. Já Valéria mantém um espaço de leitura na classe do 3º ano, com livros, gibis e revistas. “Seleciono parte dos materiais de acordo com os assuntos vistos em aula.”
Alguns estudantes não sabem o conteúdo
Para dar conta da turma toda, vale planejar atividades paralelas, de acordo com os diferentes níveis de conhecimento dos alunos, e acompanhá-los de forma individual. Mas, se a maioria tem a mesma dificuldade, reserve um tempo para revisar o conteúdo coletivamente e elabore uma estratégia alternativa para ajudar quem precisa avançar. “Quando estudamos equação de segundo grau, identifiquei que muitos ainda erravam cálculos de números negativos. Preparei uma proposta para retomar o assunto envolvendo a análise de extratos bancários para que entendessem a ideia de ter e dever”, conta Carla.
A garotada só responde sim e não
Quando isso ocorre, a razão provavelmente está na pergunta. É importante sempre lançar para a classe questões abertas, que exigem reflexão e posicionamento para respondê-las. Elas estimulam os alunos a sair da zona de conforto e desenvolver o raciocínio. Além disso, respostas mais completas favorecem a articulação de pensamentos e a oralidade. Mas não espere, de imediato, um discurso pronto e articulado. Muitas vezes, você vai ter de construir a resposta com a criança. Um modo de fazer isso é comentar o que algum colega já falou sobre o tema para que ela elabore suas ideias com base nisso.
Há crianças com deficiência na sala
Para ajudá-las a realizar as atividades, providencie com antecedência recursos e materiais adaptados de acordo com a dificuldade de cada uma delas. O primeiro passo é identificar o que pode ajudá-las a aprender. Se sua escola conta com salas de atendimento educacional especializado (AEE), trabalhe em parceria com o responsável por ela. Ele sabe como desenvolver formas variadas de ensinar seus alunos. Se essa estrutura não está disponível, compartilhe suas dúvidas e o planejamento com a equipe gestora para pensarem em conjunto na maneira mais adequada de atendê-los.
A turma resiste a uma atividade nova
A falta de familiaridade com uma proposta ainda desconhecida pode deixar os alunos apreensivos e com receio. Isso, porém, não pode impedir você de apresentar novas situações a eles. Se os objetivos estão claros, persista na ideia, mas tenha paciência para ajudar o grupo a se adequar ao que foi pedido. Muitas vezes, um período de adaptação é necessário. Marci já recebeu crianças que se negavam a escrever porque não sabiam. “Eu explicava que os pequenos escrevem de forma diferente dos adultos e incentivava todos a fazer do próprio jeito. Isso dava tranquilidade a eles para começar e logo estavam avançando.”
A classe está muito adiantada
Se você não conhece os estudantes, pode acabar incluindo no planejamento conteúdos que eles já sabem. Por isso, as avaliações diagnósticas são tão importantes. Elas mostram o aprendizado deles sobre o assunto e indicam se é preciso ajustar suas aulas. Valéria fez uma sondagem sobre pontuação e viu que todos já usavam com propriedade pontos, vírgulas e travessões, por exemplo. Fez, então, a sistematização no quadro. “Pedi que explicassem a função dos sinais de pontuação em frases do texto usado no diagnóstico e dessem exemplos que confirmassem as conclusões. Isso serviu de revisão.” Depois disso, ela reorganizou o plano adiantando outros temas.
De que maneira agir diante do inesperado
O professor tem de dar conta do conteúdo e dos imprevistos em sala, mas tudo varia conforme as circunstâncias. Como nem sempre é possível antecipar as atitudes dos alunos, saiba o que fazer em alguns casos
Falta tempo para terminar a atividade
Mesmo com planejamento, por vezes a aula não é suficiente para concluir a proposta. “Se isso acontecer, é necessário ter clareza do que são atividades estruturantes – essenciais para o desenvolvimento do conhecimento – e complementares”, diz Vasconcellos, do Libertad. No primeiro caso, reveja o que foi previsto e dê continuidade ao trabalho no outro dia. Se a proposta interrompida for complementar, uma opção é pedir que a turma termine em casa. De todo modo, reserve uns minutos na aula seguinte para voltar ao assunto. Isso evita que as crianças deixem de dar atenção à tarefa de casa.
Uma criança se nega a participar da aula
Converse com ela para saber o motivo, como ter discutido com um colega ou não ter compreendido o conteúdo, por exemplo. Foi o que ocorreu com um aluno de Valéria que se recusou a participar de uma atividade de leitura por não se interessar pelo material, parlendas e contos. Ela adaptou o planejamento e utilizou outros textos para incentivá-lo a ler. “Preparei desafios matemáticos que tinham de ser interpretados e li com ele textos científicos e regras de jogos de raciocínio. Depois de ultrapassar essa barreira, retomei os outros gêneros textuais.”
Alguns estudantes se desentendem
Conflitos sempre vão surgir durante as aulas. Além de parar a briga, você tem de ajudar a resolvê-la. “A solução não é punir, mas ouvir o agredido e o agressor e mediar o diálogo”, diz Ana Maria Falcão de Aragão, da Faculdade de Educação da Unicamp. Assim, eles refletem sobre o que levou ao desentendimento, como lidaram com ele e as consequências. Isso evita que o mal-estar se mantenha e interfira na dinâmica da sala. Carla, em alguns casos, pede que todos debatam a questão, focando o problema, e não uma ou outra criança. “Todos precisam fazer uma autoanálise para mudar de comportamento.”
Os agrupamentos não funcionam
Para montar equipes, além de levar em conta o conhecimento de cada aluno, é importante considerar os perfis e as relações sociais. Nem sempre é possível saber como duas crianças agirão juntas, mas cabe a você ensinar todas a trabalhar em conjunto, até mesmo com quem não se dá bem. Na primeira vez que Valéria faz os agrupamentos, ela deixa a escolha de parceiros livre para identificar os círculos sociais. As informações são úteis para pensar nas intervenções que fará visando tornar os próximos grupos produtivos, mesmo se formados por aqueles que não têm afinidade entre si.
A proposta não envolve a turma
“Se a atividade apresentada não despertou o interesse de nenhum aluno, é porque não é boa”, analisa Rosaura. Quando isso acontece, reflita sobre ela e avalie quais aspectos não funcionaram, o que os estudantes esperavam do tema e o que foi positivo e negativo. Isso ajuda a dar um melhor direcionamento à sua prática.
Um aluno tem uma atitude inadequada
“Às vezes, a relação entre o professor e os alunos é ruim porque ele não conhece para quem leciona”, afirma Ana Maria. Ouvir a meninada e valorizar suas opiniões minimiza problemas de indisciplina. Em momentos de desrespeito, no entanto, é preciso conversar individualmente. Marci diz que é comum os pequenos terem dificuldade em esperar a vez em atividades coletivas e aí chegam a ser agressivos. “Não quero castigar ninguém, mas fazer todos pensarem sobre suas ações.” O clima de sala de aula é uma responsabilidade do professor e é preciso cuidar dele.
Você é surpreendido por uma pergunta
Não dá para deixar o aluno sem resposta. Se isso acontece, ele se sente desvalorizado e não vê na escola um lugar para aprender. Ser sincero é um ponto básico. No caso de não saber a resposta de uma questão, diga a verdade, pergunte o que ele conhece sobre aquilo e comprometa-se a buscar mais informações sobre o assunto. Se a dúvida desencadear um debate produtivo entre toda a sala, anote-a para incluí-la no seu planejamento. “Essa atitude mostra como é ampla a dinâmica do conhecimento”, enfatiza Vasconcellos.