Olá amigos e amigas do SÓ ESCOLA. Nesta postagem trago para vocês um texto retirado da revista nova escola com dicas de Como trabalhar com Gêneros Textuais do 1º ao 5º ano.
Eles invadiram a escola – e isso é bom. Mas é preciso parar de ficar só ensinando suas características para passar a utilizá-los no dia a dia de todas as turmas com o objetivo de formar leitores e escritores e escritores de verdade.
Como trabalhar com Gêneros Textuais do 1º ao 5º ano |
Todo dia, você acorda de manhã e pega o jornal para saber das últimas novidades enquanto toma café. Em seguida vai até a caixa de correio e descobre que recebeu folhetos de propaganda e (surpresa!) uma carta de um amigo que está morando em outro país. Depois, vai até a escola e separa livros para planejar uma atividade com seus alunos. No fim do dia, de volta a casa, pega uma coletânea de poemas na estante e lê alguns antes de dormir. Não é de hoje que nossa relação com os textos escritos é assim: eles têm formato próprio, suporte específico, possíveis propósitos de leitura — em outras palavras, têm o que os especialistas chamam de “características sócio comunicativas”, definidas pelo conteúdo, a função, o estilo e a composição do material a ser lido. E é essa soma de características que define os diferentes gêneros. Ou seja, se é um texto com função comunicativa, tem um gênero.
Na última década, a grande mudança nas aulas de Língua Portuguesa foi a “chegada” dos gêneros à escola. Essa mudança é uma novidade a ser comemorada. Porém muitos especialistas e formadores de professores destacam que há uma pequena confusão na forma de trabalhar. Explorar apenas as características de cada gênero (carta tem cabeçalho, data, saudação inicial, despedida etc.) não faz com que ninguém aprenda a, efetivamente, escrever uma carta. Falta discutir por que e para quem escrever a mensagem, certo? Afinal, quem vai se dar ao trabalho de escrever para guardá-la? Essa é a diferença entre tratar os gêneros como conteúdos em si e ensiná-los no interior das práticas de leitura e escrita.
Essa postura equivocada tem raízes claras: é uma infeliz reedição do jeito de ensinar Língua Portuguesa que predominou durante a maior parte do século passado. A regra era falar sobre o idioma e memorizar definições: “Adjetivo: palavra que modifica o substantivo, indicando qualidade, caráter, modo de ser ou estado. Sujeito: termo da oração a respeito do qual se enuncia algo”. E assim por diante, numa lista quilométrica. Pode até parecer mais fácil e econômico trabalhar apenas com os aspectos estruturais da língua, mas é garantido: a turma não vai aprender. “O que importa é fazer a garotada transitar entre as diferentes estruturas e funções dos textos como leitores e escritores”, explica a linguista Beth Marcuschi, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
É por isso que não faz sentido pedir para os estudantes escreverem só para você ler (e avaliar). Quando alguém escreve uma carta, é porque outra pessoa vai recebê-la. Quando alguém redige uma notícia, é porque muitos vão lê-la. Quando alguém produz um conto, uma crônica ou um romance, é porque espera emocionar, provocar ou simplesmente entreter diversos leitores. E isso é perfeitamente possível de fazer na escola: a carta pode ser enviada para amigos, parentes ou colegas de outras turmas; a notícia pode ser divulgada num jornal distribuído internamente ou transformado em mural; o texto literário pode dar origem a um livro, produzido de forma coletiva pela moçada.
Os especialistas dizem que os gêneros são, na verdade, uma “condição didática para trabalhar com os comportamentos leitores e escritores”. A sutileza — importantíssima — é que eles devem estar a serviço dos verdadeiros Conteúdos os chamados “comportamentos leitores e escritores” (ler para estudar, encontrar uma informação específica, tomar notas, organizar entrevistas, elaborar resumos, sublinhar as informações mais relevantes, comparar dados entre textos e, claro, enfrentar o desafio de escrevê-los).”Cabe ao professor possibilitar que os alunos pratiquem esses comportamentos, utilizando textos de diferentes gêneros”, afirma Beatriz Gouveia, coordenadora do Programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.
As boas opções para abordar os gêneros em sala de aula Existem muitas formas de trabalhar os gêneros na prática.
Nos quadros que acompanham esta reportagem, você conhece e compara duas propostas curriculares, de uma instituição privada e de uma rede pública. A primeira (publicada no blog com os links abaixo) é da Secretaria de Educação de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. A segunda é da Escola Projeto Vida, em São Paulo. Ambas cobrem do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental e podem servir de exemplo para distribuir os conteúdos porque representam um passo além da chamada “normatização descritiva” (a tendência de explicar só as características de cada gênero).
Antes de detalhar como funciona essa abordagem que privilegia o ensino dos comportamentos leitores e escritores, vale uma palavrinha sobre os conteúdos clássicos da disciplina: ortografia e gramática. Eles continuam sendo muito importantes nesse novo jeito de planejar, pois conhecê-los é essencial para que os alunos superem as dificuldades. Que tempo verbal usar para contar algo que já aconteceu? Que recursos de coesão e coerência garantem a compreensão de uma história? “Saber utilizar a língua é o que mais influencia a qualidade textual”, ressalta Beth Marcuschi. Para alcançar isso, porém, não é necessário colocar a ortografia e a gramática como “um fim em si mesmo”, ocupando o centro das aulas. Assim como os gêneros, elas são um meio para ensinar a ler e escrever cada vez melhor.
Nas propostas curriculares da Escola Projeto Vida e da rede de Nova Lima, você vai notar que não existe uma progressão de aspectos “mais fáceis” para outros “mais difíceis”, pois qualquer gênero pode ser trabalhado em qualquer ano.”O que deve variar conforme a idade é a complexidade dos textos”, afirma Regina Scarpa, coordenadora pedagógica de NOVA ESCOLA. Além disso, é fundamental retomar o estudo sobre um determinado gênero (em diferentes momentos, mas para atender a necessidades específicas de aprendizagem).
A turma deve saber que cada tipo de texto tem um suporte
A apresentação dos textos é outro ponto essencial: eles devem ser trabalhados em seu suporte real. Se você quer usar reportagens, tem de levar para a sala jornais e revistas de verdade. Para explorar receitas, é preciso que os alunos manuseiem obras de culinária. Na análise de biografias, é fundamental cada um dispor de livros desse tipo. E assim sucessivamente. Portanto, nada de oferecer apenas uma carta que está publicada (ou resumida) nas páginas do livro didático.
Isso posto, é hora de mergulhar nos currículos. O fio condutor que aproxima as duas propostas é a preocupação de fazer a turma transitar pelas três posições enunciativas do texto: ouvinte, leitor e escritor. É nessa “viagem” de possibilidades que a garotada exercita os tais comportamentos leitores e escritores. Em Nova Lima, todo professor lê diariamente, ao longo do primeiro semestre, contos para a turma de 2° ano. Ao ouvir, os alunos se familiarizam com diversos exemplos de texto, apreciando-os e aprendendo a identificar características.
Ao mesmo tempo, eles atuam como leitores, comparando diferentes versões de um conto, por exemplo, com o objetivo de refletir sobre os recursos linguísticos escolhidos pelos autores. E o professor ainda põe a garotada para trabalhar — pede que todos caracterizem um personagem e, portanto, escrevam. Nessa hora, eles vão usar termos como “bom”, “mau”, “bonito”, “nervoso” etc.” Só então cabe explicar que esses termos são chamados de adjetivos e são muito importantes em diversos textos, sobretudo os contos e as propagandas, mas não são adequados em outros, como as notícias”, explica Beth Marcuschi.
Nessa integração de atividades com diferentes propósitos, os estudantes vão muito além das características de cada gênero — e aprendem de fato a ler e escrever, inclusive fazendo uso da ortografia e da gramática em situações reais. Tudo isso permite dar o pontapé inicial ao que os especialistas chamam de “caminho da autoria”. Uma possibilidade é propor a reescrita (individual) de um conto. Mas o percurso pelas três posições enunciativas só estará completo quando a garotada produzir o próprio conto (no caso de Nova Lima, isso é feito no semestre seguinte, com direito a ler as produções para outras turmas).
Organização do trabalho pede mescla de modalidades
Para integrar essa multiplicidade de propostas e dar conta da evolução dos conteúdos, o melhor caminho é organizar as aulas conforme as modalidades propostas pela pesquisadora argentina Delia Lerner e dividir os trabalhos entre atividades permanentes, sequências didáticas e projetos didáticos — que podem ser interligados ou usados separadamente, dependendo dos objetivos. “A chave é pensar numa progressão das dificuldades”, afirma a linguista Vera Lúcia Cristóvão, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
O projeto didático é a modalidade mais indicada para trabalhar a escrita — afinal, ao criar um produto final com público definido, a turma aprende a focar em um gênero e saber o quê, por quê e para quem escrever. Num projeto didático sobre propagandas, por exemplo, a exibição das criações para outros estudantes permite reproduzir o que ocorre com a publicidade na vida real. Além disso, a tarefa adquire outro sentido, pois o aluno sabe que escreve para que outros leiam (e não apenas para o professor) e, portanto, passa a prestar mais atenção na necessidade de se fazer entender.
Já as sequências didáticas são ideais para a leitura de diferentes exemplares de um mesmo gênero, de obras variadas de um mesmo autor ou de diversos textos sobre um tema. Elas garantem uma progressão que respeita o objetivo a ser alcançado. Ao planejá-las, é importante colocá-las antes dos projetos de produção textual. Em Nova Lima, por exemplo, os textos informativos são explorados numa sequência didática meses antes da criação de um jornal mural.
E as atividades permanentes têm como meta criar familiaridade com os diversos comportamentos leitores. Na Projeto Vida, as turmas do 2° ao 5° ano realizam semanalmente rodas de curiosidades, em que alunos contam para os colegas o que leram em jornais e revistas. Com isso, são estimulados a comentar as notícias.
Por fim, vale destacar que quando os gêneros são ensinados como instrumento para a compreensão da língua, não importa quantos ou quais você trabalha, desde que o objetivo seja usá-los como um jeito de formar alunos que aprendam a ler e escrever de verdade.
Fonte: Revista Nova Escola, ano 2009, nº 224, páginas 48 a 57.