Um novo jeito de ensinar a tabuada |
“Ter a tabuada na ponta da língua libera o aluno para se preocupar com outros desafios do problema”, afirma Leika Watabe, formadora de professores da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. No entanto, antes de decorá-la, ele deve compreendê-la por meio de atividades que mostrem a relação entre os números e as propriedades da multiplicação, como a proporcionalidade e a comutatividade – sem que para isso seja necessário apresentar a definição delas. Se 6 é o dobro de 3, todos os resultados da tabuada do 6 são o dobro dos resultados da do 3. Caso não se lembre que 8 x 4 = 32, a criança pode buscar na memória o resultado de 4 x 8, que parece mais simples e é o mesmo. Outra conclusão a que ela pode chegar: se 7 x 10 = 70, para saber quanto é 7 x 9, basta subtrair 7 desse resultado para chegar a 63. “Tudo passa a fazer sentido e fica fácil decorar”, completa.
Uma boa aliada na hora de elaborar essas análises é a tabela pitagórica (também chamada de tábua e tabela da multiplicação). Ela é um quadro de dupla entrada em que são registrados os resultados das multiplicações, de 1 x 1 a 10 x 10 – o número da linha deve ser multiplicado pelo da coluna e, no espaço correspondente ao encontro das duas, registrado o produto do cálculo. Isso facilita uma visão geral dos resultados, o que é uma vantagem sobre as tabuadas organizadas em listas – em que aparece a multiplicação do 1 ao lado da do 2 até a do 10. Propostas de trabalho feitas com base na tabela possibilitam estabelecer diversas relações, já que todos os produtos das multiplicações básicas estão ali (leia exemplos nos quadrinhos).
Há várias atividades a serem propostas com o uso da tabela – que serve, inclusive, de material de diagnóstico dos estudantes. Compreendido seu funcionamento, eles podem, por exemplo, preencher somente as tabuadas do 5 e do 10 para verificar que os resultados da primeira correspondem à metade dos resultados da segunda. Em seguida, escrever as do 2 e do 3 e concluir que a soma dos produtos corresponde aos resultados da do 5. Dessa forma, a turma pode tirar diversas conclusões e ir memorizando os valores ou encontrá-los com facilidade. Só depois de um trabalho sistemático é adequado afixar a tabela em sala de aula para ser consultada sempre que necessário.
A proporção na relação entre os números
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Desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, é importante propor às crianças problemas que envolvam essa propriedade mesmo quando ainda não aprenderam o algoritmo da multiplicação. Questões do tipo “Se 1 caderno custa 3 reais, quanto custam 4 cadernos?” suscitam o uso de estratégias variadas. Desenhos podem representar cada uma das unidades do problema (nesse caso, os cadernos e os reais) e a adição sucessiva substitui a multiplicação: em vez de escrever 3 x 4, é possível escrever 3 + 3 + 3 + 3.
Esses procedimentos são muito úteis e representam uma valiosa introdução à proporcionalidade. Porém, ressalta Leika, devem ser vistos como as primeiras estratégias, e não as únicas. Isso porque são lentas e imprecisas (leia nos quadrinhos um problema com diferentes resoluções). “Cabe ao professor propor desafios em que os estudantes precisem encontrar maneiras mais rápidas e precisas de resolução e criar oportunidades para que compartilhem estratégias.” Por exemplo: “Uma loja vende caixas de lápis de cor com 12 unidades cada uma. Quantos lápis existem em 5 caixas? E em 6?” Atividades desse tipo – em que se preenchem tabelas de proporcionalidade – são importantes porque permitem relacionar os valores de duas grandezas e saber que, quanto maior uma delas (no exemplo anterior, caixas), maior a outra (lápis), seguindo uma mesma variação (no caso, 12).
Compreendidas as relações entre os números da tabuada, a simples decoreba dos produtos passa a ser desnecessária. A cultura do ensino da multiplicação manda que se apresente primeiro a tabuada do 1 e depois a do 2, seguindo a ordem do menor para o maior, sem levar em conta, por exemplo, que a do 10 é mais fácil que a do 6. “Se a criança aprender simultaneamente a do 2 e a do 4, vai perceber a relação entre elas, o que ajuda a construir o conhecimento sobre ambas”, explica Priscila Monteiro, consultora pedagógica da Fundação Victor Civita (FVC).
Explorar as relações entre os dobros, os triplos e os quádruplos na tabela é essencial. Por exemplo: os produtos da coluna do 8 são o dobro dos que compõem a do 4 e quatro vezes os da tabuada do 2. Por isso, multiplicar por 8 equivale a multiplicar por 4 e depois por 2. Da mesma forma, os valores da coluna do 9 correspondem ao triplo dos da coluna do 3. Esse conhecimento é útil no momento de fazer os cálculos envolvidos num problema. Se o estudante não lembra quanto é 4 x 9, mas sabe que 4 é o dobro de 2, basta resolver primeiro 2 x 9 para depois multiplicar o resultado novamente por 2. “Esse conhecimento é importante para ele recalcular as tabuadas desconhecidas com base nas que já sabe, sem precisar ter todas decoradas”, explica Cleusa.
É preciso decorar apenas meia tabela
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Cleusa lembra que essa é uma estratégia a ser colocada em prática no momento de solucionar um desafio, e não apenas mostrada como uma curiosidade. O material de formação dos professores de Matemática elaborado pelo Núcleo de Aprendizagens Prioritárias, da Argentina, também ressalta essa questão: “Não se aprendem as propriedades desconectadas de seu uso. Elas se constituem como ferramentas que nos permitem justificar e compreender procedimentos de cálculo”. Para trabalhar o assunto, proponha que as crianças resolvam alguns cálculos, como:
2 x 4 4 x 2
3 x 2 2 x 3
5 x 3 3 x 5
Em seguida, peça que analisem e comparem os resultados da primeira e da segunda coluna e digam o que observaram. Elas devem concluir que os resultados se repetem. Indague por que elas acham que isso acontece e se sempre é assim. Desafie a turma a propor outras multiplicações e experimentar inverter a ordem dos números. Libere o uso da calculadora para que possam confirmar o produto dos cálculos mais rapidamente e constatar a regularidade.
As regularidades menos evidentes
- Todo número multiplicado por 10 termina em 0.
- Todo número multiplicado por 5 termina em 5 ou 0.
- Todo número multiplicado por 1 tem como resultado ele mesmo.
O registro dessas conclusões é um ótimo começo de conversa para você lançar outros questionamentos e para os estudantes notarem que a multiplicação de qualquer número por um par sempre resulta num par. Outras regularidades, menos evidentes, também são importantes: a soma dos números multiplicados por 2 e 5 está na coluna do 7, assim como a soma dos multiplicados por 3 e 4. Essa relação se baseia nas propriedades associativa e distributiva da multiplicação. Matematicamente, 7 x 6 pode ter esta representação:
(3 x 6) + (4 x 6)
18 + 24 = 42
No livro Investigações Matemáticas na Sala de Aula, o educador português João Pedro da Ponte defende que tarefas desse tipo, mais do que servirem para iniciar os alunos nas atividades de investigação, permitem desenvolver conhecimentos importantes acerca dos números, como os relacionados ao estudo dos múltiplos e aos critérios de divisibilidade. Ele afirma que a tabuada do 5 pode levar os alunos a observar que um número divisível por 5 termina com 0 ou 5. Com essas tarefas, é possível explorar várias relações. Por exemplo: será que todo número vezes 3 é ímpar? E quando é multiplicado por 6? Sempre que é preciso multiplicar por 10, basta acrescentar um 0 após o número? Por que um número vezes 1 é igual a ele mesmo?
Embora seja curioso encontrar respostas para esses questionamentos, a atividade não deve se esgotar nela mesma. É importante que o raciocínio seja novamente retomado na resolução de problemas para que aquilo que se confirmou como regra seja aplicado em outras situações (veja nos quadrinhos como os alunos utilizam essas estratégias). Ter em mente essas regularidades ajuda a checar se os resultados dos cálculos estão corretos. Sabendo, por exemplo, que o produto de uma multiplicação por 2 não pode ser ímpar, os alunos buscam outras estratégias para encontrar a resposta certa. Muitas vezes, eles aproveitam as tabuadas que consideram mais simples para resolver as mais complexas. “Quando os estudantes constroem uma rede de relações entre os números, eles conseguem compreender a tabuada e decorar os resultados da multiplicação com mais facilidade”, afirma Priscila Monteiro.
Hora de sistematizar o conhecimento
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Já a sistematização do conteúdo é uma ação do educador e deve ser feita durante todo o processo. Sobre isso, Itzcovich indica em seu livro: “As crianças resolvem problemas de maneira intuitiva, e é essencial que o professor reconheça os procedimentos como válidos. Assim, o aluno sabe que o que foi útil para uma resolução pode ser generalizado a outras situações”. Uma anotação sobre a comutatividade é um exemplo: “Descobrimos que, se a ordem dos números muda, o resultado é o mesmo”. Conclusões desse tipo podem ser escritas coletivamente. Cada um colabora com o que sabe e todos definem a melhor forma de dizer o que foi aprendido. Os registros devem ser colocados nos cadernos e à vista de toda a turma para servir de material de consulta. A intenção deve ser ampliar o repertório de produtos memorizados pelos estudantes para que eles tenham autonomia para resolver problemas.
Os erros mais comuns
Usar músicas para tornar a aula divertida. As atividades devem ser desafiadoras para os alunos entenderem a tabuada.
Tomar a tabuada. A memorização dela é importante, mas quando colocada em uso para resolver problemas.
Ignorar a importância da memorização. Decorar agiliza os cálculos e permite que o aluno se preocupe com outros desafios.
Não orientar os estudos sobre o conteúdo. Lições de casa ou atividades individuais devem ser dirigidas e incluir a reflexão sobre as multiplicações.