Ditado para o professor: produção de texto oral com destino escrito
Ditado para o professor: produção de texto oral com destino escrito |
Ao desempenhar o papel de escriba e pedir que os estudantes criem oralmente um texto, o docente trabalha o comportamento escritor, as diferenças entre a linguagem oral e a escrita e a importância de sempre revisar o que é produzido, individual ou coletivamente
“É importante criar espaços para que as crianças usem a linguagem escrita antes de ler e escrever, pois o conhecimento do sistema alfabético não é pré-requisito para a produção de texto, ou seja, não é preciso saber grafar as letras para organizar as ideias tal como se escreve”, explica Silvana Augusto, formadora do Instituto Avisa Lá e professora do Instituto Superior de Ensino Vera Cruz, ambos em São Paulo. A criança que não sabe escrever de forma convencional está diante de uma situação-problema que permite a ela observar o desenvolvimento de seu processo de aprendizagem e da compreensão da linguagem escrita.
Produção de textos de indicação literária
– Oferece às crianças espaço de troca de experiências e preferências.
– Seleciona um material de leitura de significativo valor estético.
– Propõe a produção de texto com propósitos comunicativos claros.
A produção precisa ter um destinatário real. Na EE Nelson Fernandes, em São Paulo, as indicações literárias fazem parte do planejamento de toda a escola. Semanalmente, as crianças escolhem uma das leituras realizadas para que seja produzida uma recomendação, que será encaminhada a outras turmas. No começo do ano, os alunos da 1ª série contam com a ajuda do professor para escrever o texto. Foi o que aconteceu com a sala da alfabetizadora Carlene Fernandes Lima após a leitura de A Fantástica Fábrica de Chocolate, do escritor galês Roald Dahl.
Por ser um livro grande, a professora passou mais de uma semana lendo diariamente um ou dois capítulos de cada vez. Terminada a leitura, Carlene abriu a conversa, estimulando a turma a expor suas ideias. O debate foi acalorado, as crianças se identificaram com o personagem principal, o menino Charlie, e partiu delas mesmas a iniciativa de escrever uma recomendação para a 1ª série C, prática que elas já estavam acostumadas a realizar.
– Como vamos começar esse texto? – perguntou a professora.
– A gente tem de contar um pouco da história para que eles também tenham vontade de ler – disse um aluno.
Todos, então, passaram a ditar uma descrição do enredo, muitas vezes utilizando expressões que tinham visto no livro. A cada nova passagem, Carlene relia o que estava escrito. “O papel do professor aqui é fundamental, pois, ao escrever no quadro-negro, ele explicita aos estudantes os comportamentos próprios de quem escreve”, ressalta Silvana. Ele deve chamar a atenção sobre a estrutura, negociar significados e propor a substituição de palavras repetidas. Expressões como “e”, “aí” e “daí” (marcas da oralidade) precisam ser trocadas por outras mais adequadas à linguagem escrita e que marquem a temporalidade e a causalidade, como “de repente”.
Por fim, os pequenos ditaram os motivos que os levaram a escrever aquela recomendação e utilizaram expressões que estavam nos modelos de indicação literária que Carlene havia mostrado.
– Vamos colocar que esta é uma história encantadora e envolvente, que não deixa a gente perder a atenção – ditou uma das crianças.
Neste trabalho, o professor:
– Aborda questões relacionadas ao gênero e às características da linguagem escrita.
– Desenvolve o comportamento escritor: planejar, textualizar e revisar.
– Permite aos alunos que se sintam escritores e produtores de texto antes de saber grafá-lo.
“A reescrita não equivale a uma cópia porque a criança fará uma versão pessoal do texto fonte”, explica Silva Augusto. No livro Aprender a Ler e Escrever, a pesquisadora argentina Ana Teberosky afirma que a orientação que se dá para a utilização do texto-modelo pressupõe que aprender a escrever é, sobretudo, aprender a reescrever.
Antes de propor essa atividade, o professor deve realizar situações de leitura de diferentes textos de um mesmo gênero para a ampliação do repertório linguístico dos alunos e a apropriação de suas características.
Foi o que fez Rozangela Barbosa Cardoso, da EM Sebastião de Mattos, em Umuarama, a 580 quilômetros de Curitiba. Professora da 2ª série, no início do ano ela se deparou com uma situação comum nas escolas brasileiras: menos de um terço de seus alunos estava no nível alfabético. Rozangela desenvolveu um projeto de reescrita de histórias de bruxas.
Em um primeiro momento, ela explicou que eles produziriam coletivamente um conto sobre bruxas e iniciou a leitura de diversos livros que tinham essa personagem. A cada conto finalizado, uma roda de conversa sobre o texto era realizada.
Depois a professora pediu que eles destacassem oralmente o que caracteriza uma história de bruxa. Ela escreveu no quadro-negro uma lista intitulada “Nas histórias de bruxas tem…” para que os alunos pudessem consultar as características que haviam encontrado.
O próximo passo foi começar a produzir o texto.
– Começa por “era uma vez”, professora – disse um dos alunos.
– Mas será que a gente não consegue encontrar outro começo? Esse não é muito comum? Nas histórias que lemos, como os autores fizeram? – indagou a professora.
– Eles usam outras palavras. Que tal “um certo dia”? – propôs outra criança.
Esse tipo de intervenção da professora é de grande valia nas situações de produção. É importante ajudar a turma a perceber como se trabalha um texto, que tipo de reflexão deve ser feita na hora de escolher a forma e a sequência dos fatos e destacar as questões de estilo e de efeito que deve provocar no leitor.
Os estudantes continuaram ditando a história até que a primeira versão fosse finalizada. No dia seguinte, a professora retomou a produção, relendo, grifando passagens e propondo que juntos tentassem melhorar o texto.
Terminada a segunda versão, Rozangela digitou no computador a história e, em outra aula, entregou uma cópia para cada um deles, pedindo que revisassem e tentassem encontrar partes que ainda precisavam ser trabalhadas.
“As crianças perceberam que precisávamos melhorar a coerência da narrativa para que o leitor não tivesse dúvidas. Sugeri que eles procurassem nos livros como os autores resolvem esses problemas. Depois da pesquisa, eles pediram, então, para alterar algumas expressões e acrescentar novas frases para que a história ficasse mais redonda.”
Neste trabalho, o professor:
– Propõe a pesquisa e a busca de informações.
– Explora as características do texto de caráter científico e informativo.
– Amplia o universo de conhecimento e informação do aluno acerca de um tema específico.
Na Escola Alecrim, em São Paulo, a professora Anna Lúcia Schneider propôs um projeto sobre os polos norte e sul. Primeiro, ela explicou que o produto final da atividade seria um livro ilustrado e que cada um receberia uma cópia. Depois, tentou descobrir o que o grupo conhecia sobre o tema. Ela levou livros com informações sobre as regiões e os animais e pessoas que vivem nelas. Em seguida, formou duplas e pediu que cada uma pesquisasse sobre um aspecto dos polos (animais, clima etc.). Ela circulava pela sala para ver se alguém precisava de ajuda.
Todos eram estimulados a trocar informações e a mostrar para os colegas o que haviam descoberto. O passo seguinte foi a escrita coletiva. A cada texto finalizado, Anna Lúcia propunha uma discussão. As informações estão de acordo com o que lemos? Será que o leitor vai entender o que queremos dizer? Eles consultavam os livros para checar se estava tudo certo e se havia uma maneira melhor de construir o texto.
O trabalho com produção escrita deve ser uma prática continuada, na qual se reproduz o contexto cotidiano em que escrever tem sentido. É percebendo a função social da linguagem escrita, as características do comportamento escritor e a importância de trabalhar o texto que a criança vai avançar na compreensão da linguagem que usamos para escrever.