A milenar arte de educar dos povos indígenas
Educar é dar sentido. É dar sentido ao nosso estar no mundo. Nossos corpos precisam desse sentido para se realizar plenamente. Mas também nossos corpos são vazios de imagens e elas precisam fazer parte da nossa mente para possamos dar respostas ao que se nos apresenta diuturnamente como desafios da existência. É por isso que não basta dar alimento apenas ao corpo, é preciso também alimentar a alma, o espírito. Sem comida o corpo enfraquece e sem sentido é a alma que se entrega ao vazio da existência.
A educação tradicional entre os povos indígenas se preocupa com esta tríplice necessidade: do corpo, da mente e do espírito. É uma preocupação que entende o corpo como algo prenhe de necessidades para poder se manter vivo.
Esta visão de educação é sustentada pela idéia de que cada ser humano precisa viver intensamente seu momento. A criança indígena é, então, provocada para ser radicalmente criança. Não se pergunta nunca a ela o que pretende ser quando crescer. Ela sabe que nada será se não viver plenamente seu ser infantil. Nada será por que já é. Não precisará esperar crescer para ser alguém. Para ela é apresentado o desafio de viver plenamente seu ser infantil para que depois, quando estiver vivendo outra fase da vida, não se sinta vazia de infância. A ela são oferecidas atividades educativas para que aprenda enquanto brinca e brinque enquanto aprende num processo contínuo que irá fazê-la perceber que tudo faz parte de uma grande teia que se une ao infinito.
Num mesmo movimento ela vai sendo introduzida no universo espiritual. Embalada pelas histórias contadas pelos velhos da aldeia, a criança e o jovem passam a perceber que em seu corpo moram os sentidos da existência. Este sentido é oferecido pela memória ancestral concentrada nos velhos contadores de histórias. São eles que atualizam o passado e o fazem se encontrar com o presente mostrando à comunidade a presença do saber imemorial capaz de dar sentido ao estar no mundo.
Mãe e filho Caiapo, fotografia de Antonio Carlos Ferreira Banavita |
Este processo todo é alimentado por rituais que lembram o passado para significar o presente. São movimentos corpóreos embalados por cantos e danças repetidos muitas vezes com o objetivo de “manter o céu suspenso”. A dança lembra a necessidade de sermos gratos aos espíritos criadores; contam que precisamos de sentidos para viver dignamente; ordena a existência. Cada grupo de idade ritualiza a seu modo. Cada um se sente responsável pelo todo, pela unidade, pela continuidade social.
Educar é, portanto, envolver. É revelar. É significar. É mostrar os sentidos da existência. É dar presente. E não acaba quando a pessoa se “forma”. Não existe formatura. Quem vive o presente está sempre em processo.
É por isso que a criança será sempre criança. Plenamente criança. Essa é a garantia de que o jovem será jovem no seu momento. O homem adulto viverá sua fase de vida sem saudades da infância, pois ele a viveu plenamente. O mesmo diga-se dos velhos. O que cada um traz dentro de si é a alegria e as dores que viveram em cada momento. Isso não se apaga de dentro deles, mas é o que os mantém ligados ao agora.
Resumo da ópera: A educação tradicional indígena tem dado certo. As pessoas se sentem completas quando percebem que a completude só é possível num contexto social, coletivo. Cada fase porque passa um indígena – desde a mais tenra idade – alimenta um olhar para o todo, pois o conhecimento que aprendem e vivem é um saber holístico que não se desdobra em mil especialidades, mas compreende o humano como uma unidade integrada a um Todo maior e Único.
Olhar os povos indígenas brasileiros a partir de uma visão rasa de produção, de consumo, de riqueza e pobreza é, no mínimo, esvaziar os sentidos que buscam para si.