Em conversas, professora e alunos exercitam não só o falar, mas principalmente o saber ouvir
Por: Mara Mansani
Matheus, do 2º ano, me disse: “Prô, meu coração tá batendo forte!”. Respondi explicando que os batimentos deviam estar mais acelerados graças às brincadeiras do intervalo ou a uma paixão, brinquei.
Ele sorriu, mas insistiu para eu prestar atenção no que dizia. Como sempre, eu tinha pressa, muita pressa em dar continuidade às atividades de alfabetização com a turma. Mas parei, olhei para ele, coloquei meu ouvido em seu peito e me assustei com o compasso das batidas. Dias depois, os médicos diagnosticaram que o garoto tinha um problema cardíaco que o acompanhava desde o nascimento e que era necessária uma cirurgia (em tempo: o menino se recuperou e está ótimo!).
Desde então tenho um alerta constante martelando minha cabeça que relembra que devo ouvir, ouvir, ouvir os alunos. Claro que esse fato foi grave e raro, mas foi uma boa oportunidade para pensar se dou voz aos meus pequenos!
Hoje, nas minhas aulas, as rodas de conversa fazem parte da rotina semanal. Nela, os alunos ouvem e aprendem a ouvir, levantam a mão e pedem para falar, fazem silêncio para prestar atenção. Exercitamos, professora e alunos, não só o falar, mas principalmente o saber ouvir.
Às vezes, as rodas são temáticas, com algum assunto de interesse ou questionamento dos estudantes, como preparativo para uma atividade de escrita e leitura na alfabetização, ou forma de resolver um problema coletivo. Eu intervenho, questionando sobre o tema da roda ou sobre as opiniões emitidas pela turma. Sempre crio oportunidades para que aqueles alunos mais tímidos também participem. Observando as perguntas e os comentários, corrijo os rumos de meu trabalho e compreendo melhor como eles pensam e se estão entendendo algo que estamos estudando.
Além de tudo isso, as rodas de conversas são muito divertidas, porque os pequenos sempre me surpreendem com seus conhecimentos a respeito do mundo, seus sonhos ou histórias de vida! Como disse o grande mestre Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa: “Ao professor cabe a humildade de saber ouvir, dar espaço à voz do outro” e ainda “não é falando dos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele.”
Tenho ficado atenta também para ouvir as explicações dos alunos sobre as decisões no momento de escrita. Quando o estudante justifica a escolha de uma letra e não de outra, consigo fazer melhores intervenções pedagógicas porque entendo o que ele pensa sobre a escrita.
Por fim, compartilho com vocês uma iniciativa que achei fantástica. Na unidade do SESC em Sorocaba, onde moro e dou aula, instalaram um púlpito na área da comedoria (como chamam o restaurante de lá) com o objetivo de as pessoas cantarem ou falarem o que quiserem. Reparei como é interessante cada um se expressando de uma forma particular, sem ter ninguém no comando e sendo respeitado por quem assiste. Toda escola deveria implantar um parlatório como esse e aproveitar a maravilhosa falação!
Fonte:
Blog de Alfabetização – Nova Escola