Que tal usar os conflitos para trabalhar valores?
Que tal usar os conflitos para trabalhar valores?
Por: Telma Vinha
Quando dois alunos brigam em sala, normalmente são suspensos ou advertidos, certo? Mas será que isso faz com que aprendam a resolver suas diferenças dialogando, sem agressão? Estudos indicam que não. Se uma criança ou um jovem furta algo, mente ou desrespeita alguém, o adulto deve ensiná-lo a não agir assim. Contudo, o modo como a intervenção é feita interfere em como eles lidarão com os conflitos. Os dois garotos do exemplo podem até evitar o confronto na escola, para não serem punidos, mas observamos que eles tendem a continuá-lo em espaços virtuais ou “lá fora”, transferindo a situação de lugar.
Algumas instituições de ensino tentam conter ou evitar os conflitos, vendo-os apenas como problemas. Porém, eles são necessários ao desenvolvimento e oportunidades para se trabalhar valores e regras. Isso porque as desavenças causam um desequilíbrio que motiva a criança a refletir sobre o que fazer para restabelecer a relação. Elas promovem a necessidade de argumentar, de cooperar e impelem a agir levando o outro em conta.
Dessa forma, se a convivência democrática é um valor importante para a escola, ela deve refletir em ações institucionais efetivas. Uma maneira é oferecer espaços sistematizados de mediação para melhorar o convívio, como as assembleias (ou círculos de diálogo) e os círculos restaurativos.
As assembleias são momentos em que o grupo discute questões coletivas, ou seja, que envolvem a maioria, como os apelidos pejorativos, a escolha dos times e a presença do bullying. Nelas, professores e alunos se reúnem periodicamente para conversar sobre a convivência na escola (dificuldades e êxitos), tomar consciência das relações, colocar suas perspectivas e transformar o que o grupo achar necessário para melhorar o convívio.
Elas são, portanto, um exercício da cidadania, onde as regras são elaboradas e reelaboradas constantemente e as soluções negociadas com base no respeito mútuo. O foco está no problema ocorrido, e não em “de quem é a culpa”. Assim, não será discutida uma briga específica entre dois amigos, mas as brigas entre colegas, os sentimentos de raiva, o desrespeito e as ações decorrentes.
Já as situações particulares de conflito, como discussões de namorados e fofocas, podem ser trabalhadas nos círculos restaurativos, que são mediações privadas, de modo a resguardar a dignidade dos envolvidos. Neles, as partes se reúnem para falar e ouvir um ao outro, considerando as necessidades e os sentimentos recíprocos, e chegar a um acordo. Um adulto, que pode ser um professor, atua como facilitador, conduzindo a conversa. Esse procedimento tem como princípios o diálogo e a responsabilização pelas atitudes, tratando o conflito de forma não punitiva.
Muitos alunos usam a agressão ou a submissão para lidar com as desavenças. No entanto, uma solução positiva para um conflito sugere um equilíbrio entre a capacidade de persuasão do outro e a satisfação de si mesmo. Para tanto, é preciso incentivar um processo cooperativo, em que os envolvidos operam considerando os sentimentos e pontos de vista de todos.
Instaurar essa nova maneira de lidar com a questão da convivência na escola requer esforço e tempo para que gere resultados, mas devemos nos questionar: vale a pena insistir num modelo de Educação que, além de gerar desgastes nas relações entre docentes e alunos, não contribui para que os estudantes aprendam a resolver seus conflitos de forma cooperativa? Que outras oportunidades eles terão para isso, senão na escola?
Em colaboração com Lívia M. Silva, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Unicamp e da Universidade Estadual Paulista (Unesp)