Proclamação da República
A proclamação da República foi um golpe de Estado realizado por um grupo de militares do Exército Brasileiro, comandados pelo marechal Deodoro da Fonseca e apoiados por um pequeno grupo de políticos e intelectuais civis, que aconteceu no Rio de Janeiro, então capital do império.
Proclamação da República no Brasil: As Causas.
- Crise e desgaste do sistema monárquico, incapaz de atender aos interesses das elites agrárias, principalmente após a abolição da escravidão;
- A Monarquia, apesar de sucessivas reformas que flexibilizavam a administração, era incapaz de corresponder aos crescentes anseios de mudanças sociais da classe média e profissionais liberais da população urbana, por mais liberdade econômica e representação política;
- Forte interferência de D. Pedro II nas questões religiosas, que provocou atritos com a Igreja Católica;
- Críticas ao regime monárquico por parte dos militares, descontentes com a corrupção existente no governo (e da qual eles não se beneficiavam).
Proclamação da República no Brasil: Como Aconteceu?
Militar de alta patente e prestígio entre os diferentes setores do exército, o marechal Deodoro da Fonseca era o aliado ideal. Homem de convicções monarquistas e amigo de D. Pedro II, sua adesão ao golpe ocorreu mais por conta de boatos mentirosos do que descontentamentos políticos.
Em 14 de novembro de 1889, aproveitando-se da ausência de D. Pedro II, que se encontrava em Petrópolis, os republicanos fizeram circular na cidade do Rio de Janeiro um falso boato de que o governo imperial havia mandado prender Deodoro e o tenente-coronel Benjamin Constant, um dos principais líderes dos oficiais republicanos. O boato afirmava ainda que se pretendia instalar um novo Parlamento, recém-eleito, cuja abertura estava marcada para 20 de novembro de 1889. O objetivo era instigar o marechal a comandar com suas tropas um golpe contra a monarquia.
O exílio da família imperial
À 01:30 da madrugada de 17 de novembro de 1889 o tenente-coronel João Nepomuceno de Medeiros Mallet acordou a família imperial no Paço da Cidade, no Rio de Janeiro, e em nome do governo republicano provisório informava que o soberano destronado, a imperatriz Tereza Cristina, a princesa Isabel, o conde D’ Eu, e seus quatro netos deveriam embarcar para o exílio naquele momento, no meio da madrugada daquele domingo em que caía um chuvisco frio.
Mallet afirmou para a família imperial que o objetivo do embarque naquela hora era para evitar que simpatizantes mais exaltados do regime republicano hostilizassem o monarca e seus familiares num embarque durante o dia. O objetivo real era o oposto: tomar mais difícil que ocorressem manifestações de solidariedade a D. Pedro II pela população e que estas manifestações criassem uma reação de parte das tropas que permaneciam simpáticas à monarquia.
A princesa, quase aos prantos, se recusava a embarcar sem seus três filhos, enviados para Petrópolis no dia 15 de novembro temendo tumultos no Rio de Janeiro, apesar das garantias do tenente-coronel Mallet de que um trem especial traria os três garotos – Pedro de Alcântara (14 anos), Luís Felipe (11), e Antônio Pedro (8) – e guardas especiais seriam colocadas em todas as estações.
Com a colaboração do marido da princesa, o conde D’Eu, conseguiu-se após algum tempo convencê-la a aguardar no navio a chegada dos filhos. Restava ainda convencer o sexagenário e pacato imperador a embarcar sem usar a força. D. Pedro II levou bastante tempo para se aprontar e aparecer no salão do palácio. Sereno e severo, entrou na sala vestindo uma elegante casaca preta e segurando a cartola na mão.
Padecendo de diabetes há dois anos, o imperador oscilava naquele momento entre o torpor, lapsos de memória e irritação. Apesar de ter assinado no dia anterior documento aceitando a ordem dos republicanos para que saísse do Brasil, parecia não conseguir entender o que estava acontecendo. O almirante Artur Silveira da Mota, o barão de Jaceguai, amigo da família imperial, ainda tentou ajudar Mallet a convencer o imperador, dizendo que se temiam manifestações de estudantes, sendo repreendido pelo monarca por sua falta de liderança diante da Armada. Após demorada conversa, o conde D’Eu se postou ao lado do imperador e foi encaminhando-o lentamente para fora, sendo seguido pelos demais membros da família imperial.
No Largo do Paço, os soldados apresentaram armas e o imperador respondeu erguendo a cartola. O palácio fica a poucos metros do Cais Pharoux, mas Mallet havia providenciado uma carruagem para transportar os passageiros, onde se acomodaram o imperador, a imperatriz, a princesa Isabel, o conde D’Eu e Pedro Augusto, (23 anos) neto mais velho do monarca, filho de sua filha mais moça, Leopoldina, falecida em 1871. No cais, entraram todos numa lancha do Arsenal de Guerra, guardada por quatro cadetes, encaminhada ao cruzador Parnaíba, onde aguardariam a chegada dos três filhos da princesa e só então navegariam para a Ilha Grande, para embarcar no vapor de transporte de passageiros Alagoas, com destino à Portugal.
Foi difícil encostar no Parnaíba. Mais difícil foi fazer D. Pedro II passar da lancha para o cruzador. Com o mar agitado e a escuridão, Mallet e o conde Mota Maia, médico particular do imperador, tentavam empurrar D. Pedro II pela precária escada ligando os dois barcos. De cima, um cadete lhe dava a mão para puxá-lo, mas o imperador, de 63 anos, fraquejava e oscilava, para o desespero de Mallet. Com um impulso, finalmente deu-se o embarque do imperador, que permaneceu no tombadilho até as 10 horas da manhã, sentado sob uma lona estendida para protegê-lo do chuvisco, até que seus três netos chegassem.
Com a chegada dos três, ao meio-dia o Parnaíba começou a movimentar-se rumo à Ilha Grande. Após desembarque na ilha e embarcarem no vapor Alagoas, o início de viagem foi relativamente calmo. O imperador só reclamava da lentidão da navegação, provocada pela escolta do encouraçado Riachuelo. Quando os dois navios chegaram em alto mar à altura da Bahia, o Riachuelo retornou para o Rio de Janeiro e o vapor Alagoasseguiu sem problemas para Portugal.
A imperatriz Teresa Cristina faleceu na cidade do Porto, em Portugal, em 28 de dezembro de 1889, com 67 anos, 40 dias após o desembarque da viagem de exílio do Brasil. D. Pedro II morreu em Paris, em 5 de dezembro de 1891, com 66 anos, pouco mais de 2 anos após o exílio. Enquanto preparavam seu corpo, um pacote lacrado foi encontrado no quarto do modesto hotel Bedford em que se hospedava, com uma mensagem escrita pelo próprio imperador: “É terra de meu país, desejo que seja posta no meu caixão, se eu morrer fora de minha pátria”. O pacote que continha terra de todas as províncias brasileiras foi colocada dentro do caixão.
Em 1921 a família imperial foi autorizada a regressar ao Brasil, sendo revogada a lei do banimento. A ocasião foi aproveitada para repatriar os restos mortais do último imperador e de sua esposa, que ficaram primeiramente na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro e desde 5 de dezembro de 1939 se encontram na Capela Imperial da Catedral de Petrópolis.
Da esquerda para a direita:
Proclamação da República no Brasil: As correntes ideológicas
Entre os republicanos, havia 4 correntes de pensamento disputando a definição do novo regime: os militares, os liberais, os jacobinos e os positivistas.
Os militares idealizavam um Estado centralizado e forte, controlado pelas forças armadas, com pouca participação popular. Os liberais se baseavam no modelo norte-americano, numa sociedade de indivíduos autônomos, em que os interesses seriam regulados pelo mercado, cabendo ao governo interferir o mínimo possível na vida dos cidadãos. Os jacobinos, influenciados pelos ideais da Revolução Francesa, idealizavam uma democracia direta, com um governo composto e controlado por intermédio da participação de todos os cidadãos, sem exceção. Os positivistas se baseavam na doutrina de origem francesa que desejava uma sociedade racional e científica, governada pelas elites com a colaboração da população, que permitiria à humanidade atingir uma idade de ouro.
Através de uma série de manobras políticas, alianças e adaptações ideológicas ao longo dos primeiros anos da República no Brasil, os positivistas foram os vencedores da disputa entre os republicanos e moldaram, pouco a pouco, a organização do governo brasileiro.
Os positivistas apoiaram os governos militares nos primeiros anos da República no Brasil (1889 a 1894), pois precisavam de seu poder de fogo e organização para coibir revoltas pela volta da monarquia, tentativas de separação ou invasões de países vizinhos. Ao perceberem o país estabilizado, planejaram e realizaram alianças políticas e financeiras com as elites civis e militares, assumindo o poder através de eleições fraudulentas, criando e adaptando a partir de então fatos e símbolos da história do Brasil para se adequarem a seus interesses.
Os símbolos da República do Brasil
Curiosidades, verdades e mentiras sobre a proclamação da República no Brasil
O marechal Manuel Deodoro da Fonseca era simpatizante ao regime monárquico, funcionário de confiança e amigo de D. Pedro II. Apesar de saber da conspiração, relutou em participar dela e aderiu à causa apenas 4 dias antes da proclamação da República, em grande parte mais pelo temor que líderes de alas radicais do exército matassem os membros da família imperial brasileira, pela qual tinha respeito. Acreditava que este ato violento causaria uma guerra civil entre os golpistas com parte da população (grata pela abolição da escravidão) e os defensores do Império, que teriam na família imperial mártires para vingar. Por ser o militar de mais prestígio e de maior patente entre os militares conspiradores, resolveu tomar a frente do golpe de Estado para manter a situação sob controle.
Há divergências sobre até que ponto a participação de Deodoro foi por uma consciência mais ampla ou ambição pessoal. O pesquisador José Eduardo Bruno descreve da seguinte forma a ambiguidade da participação do marechal:
Acordado, Deodoro ouve que dali a poucas horas Ouro Preto assinaria decreto dissolvendo o Exército. Não era verdade, mas irrita-se, veste a farda e dispõe-se a liderar a tropa. Não consegue montar a cavalo, tão fraco estava. Entra numa carruagem e acaba no pátio fronteiriço ao Ministério da Guerra. Lá, monta um cavalo baio e invade o prédio, com os soldados ao lado, todos gritando “Viva Deodoro! Viva Deodoro!” Saudando-os com o agitar do boné na mão direita, grita “Viva o imperador! Viva o imperador!”. Apeia e sobe as escadarias para considerar Ouro Preto deposto. Confuso pela forte febre com que se encontrava, repete diversas vezes: “Nós que nos sacrificamos nos pântanos do Paraguai rejeitamos a dissolução do Exército”. O visconde, corajoso e cruel, retruca que “maior sacrifício estou fazendo eu ouvindo as baboseiras de Vossa Excelência!” Foi o limite para Deodoro dizer que estava todo mundo preso.
O marechal já ia voltando, o sol ainda não tinha nascido e os republicanos, a seu lado, insistem para que aproveite a oportunidade e determine o fim do Império. Ele reluta. Benjamin Constant lembra que se a República fosse proclamada naquela hora, seria governada por um ditador. E o ditador seria ele, Deodoro. Conta a lenda que os olhos do velho militar se arregalaram, a febre passou e ele desceu ao andar térreo, onde montou outra vez o cavalo baio. A tropa recrudesceu com o “Viva Deodoro! Viva Deodoro!” e ele agradeceu com os gritos de “Viva a República! Viva a República!”
As representações da proclamação da República mais famosas são encomendas retocadas da realidade.
O quadro “Proclamação da República”, do pintor paulista Benedito Calixto apresenta uma quantidade maior de militares do que provavelmente havia na ocasião. Os disparos de canhão comemorativos dificilmente teriam acontecido, tendo em vista o pouco efetivo e tempo que os amotinados tinham para consolidar o golpe e o receio de uma reação por parte da população, forças policiais ou da própria Marinha, o que não gerava uma situação tranquila para realizar uma solenidade daquele porte no momento.
No quadro “Proclamação da República” do chileno naturalizado brasileiro Henrique Bernadelli o cavalo baio (referência a cavalos mansos, geralmente de pequeno porte) montado pelo marechal foi substituído por um portentoso cavalo para imprimir maior grandiosidade à cena. Na ocasião ofereceram ao velho marechal, debilitado por uma doença, um cavalo manso e de menor porte, para facilitar sua montaria e que não exigisse muito esforço para ser controlado ou derrubasse Deodoro por se assustar com tiros ou movimentos.
Este cavalo baio nunca mais foi montado após o episódio histórico. Incluído na carga do 1º Regimento de Cavalaria em 13 de março de 1884, então com 8 anos, morreu em 28 de fevereiro de 1904, com 28 anos. Numa destas contradições típicas da história brasileira, cooperou na proclamação da República com sua mansidão.
Geralmente se associa a monarquia aos desmandos dos reis e imperadores e a república à liberdade. No Brasil aconteceu o contrário. O reinado de D. Pedro II se caracterizou pela liberdade que oferecia à imprensa, flexibilidade administrativa e respeito que possuía pelos políticos do império. Quando foi proclamada a República, uma das primeiras providências foi a censura aos jornais, seguida de perda de autonomia pelos estados da federação e eleições fraudulentas com limitação das condições dos votantes. Multiplicaram-se os presos políticos e exilados, figuras que não existiam no Segundo Reinado.
O Império Brasileiro, que em seus últimos anos era caracterizado pelos observadores internacionais como “a monarquia mais republicana das Américas” se tornou “mais uma democracia de ditadores”, tão comum na época entre as repúblicas da antiga América espanhola.
Boa parte da população de então simpatizava com a humildade, pacifismo e amor às artes e ciências de D. Pedro II, vendo também com bons olhos a provável sucessora do trono, a princesa Isabel, que agradava por sua devoção católica e era associada ao fim da escravidão. Se a simpatia dos pobres não era suficiente para pegar em armas pelo retorno do monarquia, foi mais decisiva a insatisfação dos ricos com a possibilidade do governo brasileiro ser chefiado pelo francês conde D’Eu, marido da princesa Isabel, e a falta de políticas imperiais para uma rápida melhora econômica, agravada com a abolição da escravidão. Não que os republicanos tivessem planos melhores – tanto que continuaram com as mesmas diretrizes da época do Império – era o caso da elite trocar o prejuízo certo pelo lucro incerto.
O jornalista João do Rio, ao descrever o Rio de Janeiro de 1908 no livro A Alma Encantadora das Ruas, se mostrou surpreso com a quantidade de trabalhadores, negros e brancos, que levavam nas costas tatuagens de símbolos imperiais. Afirmou ele: “Pelo número de coroas da monarquia que eu vi, quase todo esse pessoal é monarquista”.
No dia 21 de abril de 1993 ocorreu um plebiscito onde a opção “República” obteve 86% dos votos válidos, conferindo, finalmente após 104 anos, legitimidade popular ao regime republicano brasileiro. No mesmo plebiscito, o sistema presidencialista de governo foi legitimado pelo voto popular.
Não bastando a demora que favoreceu o modelo republicano, tendo em vista que devido à demora da escolha, gerações haviam já nascido neste tipo de governo, impossibilitando uma comparação imparcial, realizaram a votação no feriado do Dia de Tiradentes, data de apelo emocional na luta dos brasileiros contra a monarquia portuguesa. As manobras políticas e ideológicas, de forma direta e subliminar, continuam a favorecer a República no Brasil.
A República no Brasil percorreu um caminho tortuoso e longo até assumir a característica democrática e inclusiva como se apresenta atualmente.
Nos primeiros anos (República Velha de 1889 a 1930) foi uma ditadura de militares substituídos por elitistas civis, com características mais de monarquia do que democracia. Durante a Era Vargas (1930 a 1937) e depois o Estado Novo (1937 a 1945), Getúlio Vargas se perpetuou no poder mais como um imperador do que como um presidente. Na República Nova (ou Período Populista), de 1945 a 1964, o Brasil experimentou pela primeira vez uma democracia inclusiva, mas teve seu amadurecimento político prejudicado e interrompido pela crescente guerra fria entre comunistas e capitalistas, que culminou com o golpe de Estado em 1964. Os militares governaram o país de 1964 a 1985, quando transmitiram de forma pacífica o poder aos civis. Somente a partir de 1985 o Brasil conheceu uma República popular com estabilidade política.
Se somarmos os 19 anos do primeiro período democrático (de 1945 a 1964) com os 27 anos da atual fase republicana (após 1985) temos no Brasil apenas 46 anos de uma experiência republicana popular. É ainda pouco tempo para uma nação ter identidade e maturidade política. Vivemos agora um tempo de intensa construção e solidificação dos conceitos de uma República verdadeiramente democrática, que inclua e represente o povo brasileiro.