Escola dá troféu de mais irritante a menino com autismo – Aluno recebeu ‘título’ em cerimônia de fim de ano; instituição americana pediu desculpas; mãe, entretanto, se emocionou com solidariedade que recebeu: ‘É emocionante ver que meu filho tocou tantos corações’.
Enquanto alguns alunos recebiam prêmios como o de estudante “mais popular”, “engraçado” ou “falante”, Rick e Estella Castejon precisaram assistir seu filho, de 11 anos e com autismo, ser nomeado como o garoto “mais irritante” em uma cerimônia de uma escola americana.
“O que é irritante e humilhante foi ver meu filho ali, na frente de pessoas estranhas, recebendo o prêmio e não entendendo do que se tratava”, desabafou Estella ao programa Outside Source, da BBC.
O evento, que marcou o fim do ano letivo, foi realizado no final de maio em uma escola no Estado de Indiana. Segundo veículos da imprensa americana, a instituição pediu desculpas e afirmou ter aberto uma ação disciplinar envolvendo parte da equipe pedagógica, mas a BBC não conseguiu mais detalhes da unidade.
De acordo com Rick, que estava presente na cerimônia junto com outros pais e alunos, a própria professora do filho apresentou a premiação.
“Achei que ele fosse levar um prêmio bacana. Aí anunciaram ‘criança mais irritante’… a professora viu que eu fiquei chateado, e mencionou que as crianças fizeram as escolhas dos premiados, não os professores. Eu não entendi por que [os professores] deixaram que isso sequer fosse uma opção [o prêmio de ‘mais irritante’].”
Ele lembra que a plateia ficou em silêncio e que a funcionária da escola tentou levar a situação como uma brincadeira.
“Acho que eles [a escola] pensaram que era uma piada engraçada, não viram nada de errado. Mas eu nunca vejo meu filho ou qualquer criança como irritante”, lamenta.
O filho de Rick e Estella não se comunica verbalmente e, segundo seus pais, aparentemente não entendeu o significado do troféu que recebeu.
“Se ele está correndo de um lado para o outro, se está batendo palmas, se está rindo do nada… é isto que ele faz”, diz Estella. “Mas como professora de uma criança com necessidades especiais, você deveria estar treinada para estas coisas, para lidar com elas e, mais importante, ter paciência.”
“Para mim, isto é uma professora permitir o bullying de um aluno. Isto é insano e triste em tantos níveis.”
Por outro lado, Estella se emociona com a solidariedade que tem recebido de outras pessoas.
“Há muitas pessoas que se importam. É emocionante ver que meu filho tocou tantos corações”, afirmou. “Como mãe, colocamos nossos filhos na escola para que eles sejam melhores adultos no futuro. Então, só quero que meu filho e qualquer criança com necessidades especiais tenham uma educação correta.”
Um desafio cotidiano
Dificuldades para que crianças autistas tenham uma experiência escolar satisfatória, como deseja Estella, fazem parte do cotidiano de muitas famílias.
Segundo a organização britânica National Autistic Society (NAS), por exemplo, estudantes autistas têm no Reino Unido chance três vezes maior de serem suspensos ou expulsos da escola do que alunos sem necessidades especiais.
“A razão mais comum apresentada por chefes das equipes pedagógicas é ‘agressão física contra um adulto’. No entanto, o comportamento disruptivo pode ser uma manifestação do autismo do aluno. Suspender ou expulsar um estudante por comportamentos relacionados a esta condição pode contribuir para a discriminação, a não ser que isto [a suspensão] possa ser justificado”, diz a organização em seu site.
Antes de uma medida drástica como esta, a NAS recomenda que escolas consultem e busquem apoio de órgãos locais e de outros profissionais. Capacitação e a a formação de equipes multidisciplinares também são princípios fundamentais neste tipo de trabalho.
Uma reportagem de 2017 da BBC News Brasil mostrou que, também no Brasil, há obstáculos para alunos com necessidades especiais já antes da matrícula. Apesar de uma lei federal brasileira garantir o acesso de autistas à educação e ao ensino profissionalizante em escolas regulares e prever punição a gestores que negarem suas matrículas, este impedimento ainda foi relatado por famílias após a entrada em vigor da legislação.
Já no cotidiano escolar, a educadora e especialista em inclusão Maria da Paz de Castro nota que a melhor forma de acolher estes alunos é buscar conhecê-los – ou “girar com eles”.
“A única regra é conhecer a criança, deixar ela se apresentar a você, porque não interessa o que ela tem, mas quem ela é. É importante que as outras crianças aprendam a conviver e conversem entre si. E às vezes elas perguntam: ‘Por que ele (colega autista) não fala? Por que ele gira?’ E eu respondo: ‘Não sei, ele ainda não fala do jeito que você fala, mas pergunta para ele, gire um pouco com ele'”, afirmou à reportagem.
O autismo faz parte de um grupo maior de doenças conhecido como transtorno do espectro autista (TEA). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1 a cada 160 crianças têm algum TEA.
Estes transtornos começam na infância – sobretudo nos primeiros cinco anos de vida – e tendem a persistir na vida adulta. Os sintomas variam bastante, mas costumam se manifestar no comportamento e na comunicação. Ainda que algumas pessoas consigam viver de forma independente, muitos precisam de suporte ao longo de toda a vida.