O trabalho atual aborda as duas teorias interacionistas de maior evidência: a Teoria Interacionista Piagetiana e a Teoria Sócio-interacionista de Vygotsky. Expõem-se, através de uma pequena síntese, os principais enfoques das teorias citadas, tomando por base as obras de Fosnot (1998), Ferrari (2010a), Ferrari (2010b) e Coll (1992). Pretende-se com a construção desse trabalho, contribuir com as reflexões existentes – e incentivar futuros avanços – sobre o tema abordado.
Introdução
Vários estudiosos vêm se dedicando a pesquisar e a se aprofundar em uma concepção do desenvolvimento intelectual humano que para muitos não é, em sentido estrito, uma teoria, mas integra diversas contribuições teóricas baseadas em princípios construtivistas. As Teorias Interacionistas do desenvolvimento apoiam-se na ideia de interação entre o organismo e o meio. A aquisição do conhecimento é entendida como um processo de construção contínua do ser humano em sua relação com o meio. “Organismo e meio exercem ação recíproca.” (FOSNOT, 1998).
O ser humano, na teoria interacionista, interage com o meio ambiente respondendo aos estímulos externos, analisando, organizando e construindo seu conhecimento a partir do “erro”, através de um processo contínuo de fazer e refazer (COLL, 1992, p. 164). Essas construções dependem das relações que estabelecem com o ambiente numa dada situação. Podemos empregar o termo construtivismo como sinônimo de interacionismo, uma vez que existe a “construção” do conhecimento considerada a verdadeira aprendizagem.
Melhor dizendo, classificada como interacionista, a teoria construtivista é em sentido geral, o processo pelo qual um indivíduo desenvolve sua própria inteligência adaptativa e seu próprio conhecimento, interagindo com o meio.
Dentre as teorias interacionistas destacam-se: a Teoria Interacionista Piagetiana e a Teoria Sócio interacionista de Vygotsky.
O objetivo desse trabalho é apresentar, através de uma pequena síntese, os principais enfoques das teorias dos mais importantes representantes do Interacionismo: Piaget e Vygotsky.
A construção deste trabalho está fundamentada em pesquisa bibliográfica das obras de Fosnot (1998), Ferrari (2010a), Ferrari (2010b) e Coll (1992).
1. Teoria Interacionista de Jean Piaget
Exporemos aqui as principais contribuições sobre a teoria de Jean Piaget segundo as obras pesquisadas para tecer o trabalho atual.
Os estudos sobre a Teoria Construtivista começaram com Piaget (1896-1980), que foi um biólogo com preocupações eminentemente epistemológicas (Teoria do Conhecimento), numa perspectiva interdisciplinar (FERRARI, 2010a).
Nascido na Suíça, doutorou-se em ciências naturais com uma dissertação sobre moluscos, porém, não eram apenas esses temas biológicos que chamavam a atenção de Piaget, a principal questão que a biologia poderia ajudar a resolver seria a epistemológica, isto é, o problema do conhecimento (COLL, 1992, p. 165).
Este foi o ponto crucial das preocupações piagetianas. Explicar a forma pela qual o homem atinge o conhecimento, o que o distingue fundamentalmente das outras espécies vivas. Esta, no entanto, é uma questão tipicamente filosófica. Entre a energia, o rigor dos métodos biológicos e a filosofia, Piaget foca uma lacuna que precisa ser preenchida. Com isso a psicologia do desenvolvimento viria no futuro fazer este papel, como mediadora entre os dois campos de estudo (FERRARI, 2010a; SANTOS, 2002).
Depois de seu doutorado em 1918, Piaget iniciou a busca de um laboratório de psicologia que pudesse servir de campo para as investigações empíricas que dessem suporte ao seu empreendimento (COLL, 1992, p. 168).
Piaget era fascinado pela compreensão da lógica subjacente ao erro e a interpretação do percurso intelectual da criança em relação ao seu desenvolvimento cognitivo global. “Consequentemente, a análise realizada por ele, desloca-se dos produtos dos testes para os processos que as causaram, melhor dizendo, ele foca o percurso que uma criança percorre na resolução de um problema e não no seu resultado final” (SANTOS, 2005).
Piaget utilizou-se do método clínico, para suas observações, por ter semelhança com procedimentos usados em Psiquiatria e Psicoterapia: entrevistas, aplicações de testes, observação. Utilizando este método, ele chegou a formulações de uma teoria de como se processa o desenvolvimento cognitivo – a Psicologia Genética (COLL, 1992, p. 168-169).
A psicologia genética propiciou um aprofundamento sobre a compreensão do processo de desenvolvimento humano na construção do conhecimento.
Piaget buscou compreender os mecanismos pelos quais as crianças constroem representações internas de conhecimentos construídos socialmente, em uma perspectiva psicogenética, traz uma contribuição para além das descrições dos grandes estágios de desenvolvimento (FERRARI, 2010a).
Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 103). “a psicogênese era objeto de estudo do construtivismo como ciência e, agora, como psicogênese das diversas ciências ou conhecimentos, é conteúdo do construtivismo aplicado ao ensino”.
Nesta teoria, todas as crianças se desenvolvem intelectualmente passando por estágios. Os diferentes estágios por que passam os indivíduos, são descritos no processo de aquisição dos conhecimentos, de como se desenvolve a inteligência humana e de como o indivíduo se torna autônomo (SANTOS, 2005; COLL, 1992, p. 169).
Segundo Piaget (apud COLL, 1992, p. 170), “o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado desde o nascimento (inatismo), nem como resultado do simples registro de percepções e informações (empirismo)”. Resulta das ações e interações do sujeito com o ambiente onde vive. Todo o conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância, através de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou cultural (SANTOS, 2002; BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 104).
O construtivismo é mudança de visão, pois ele não considera o conhecimento só pelo prisma do sujeito nem só pelo prisma do objeto, mas pela óptica da interação sujeito-objeto (COLL, 1992, p. 169-170). Assim, ensaia-se definir o construtivismo como uma teoria do conhecimento que engloba numa só estrutura dois polos, o sujeito histórico e o objeto cultural, com interação recíproca, ultrapassando dialeticamente e sem cessar as construções já acabadas para satisfazer as lacunas ou carências (necessidades).
2. Teoria Sócio Interacionista de Lev Vygotsky
Apresentaremos aqui as principais contribuições sobre a teoria de Lev S. Vygotsky segundo a literatura pesquisada para elaboração desse trabalho.
Pioneiro na teoria interacionista, Piaget apresenta uma tendência “hiper construtivista” em sua teoria, com ênfase no papel estruturante do sujeito, Vygotsky, teórico igualmente importante nessa abordagem, apresenta ênfase no aspecto interacionista, pois considera que é no plano intersubjetivo, isto é, na troca entre as pessoas, que as funções mentais superiores têm origem (FOSNOT, 1999; BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 107). A teoria de Piaget também apresenta uma dimensão interacionista, mas sua ênfase é colocada na interação do sujeito com o objeto físico. E a teoria de Vygotsky apresenta um aspecto construtivista na medida em que busca explicar o aparecimento de inovações e mudanças no desenvolvimento a partir do mecanismo de internalização. Existe, porém, um desacordo fundamental entre elas: a influência do papel da fala inicial da criança sobre o pensamento (SANTOS, 2002).
Lev S. Vygotsky (1896-1934) fez seus estudos na Universidade de Moscou para tornar-se professor de literatura. O objetivo de suas pesquisas iniciais foi a criação artística. Foi só a partir de 1924 que sua carreira mudou drasticamente, passando Vygotsky a dedicar-se à psicologia evolutiva e educação (FERRARI, 2010b). A partir daí ele concentrou-se nessa área e produziu obras em ritmo intenso até sua morte prematura em 1934, devido à tuberculose. Apesar de ter vivido pouco tempo, Vygotsky alcançou vastos conhecimentos não apenas na área da psicologia, mas também das ciências sociais, filosofia, linguística e literatura (COLL, 1992, p. 170).
O conceito de interação social é um dos focos da obra de Vygotsky, que enfatiza a dialética entre o indivíduo e a sociedade, o intenso efeito da interação social, da linguagem e da cultura sobre o processo de aprendizagem.
Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo não são determinadas por fatores congênitos. São isto sim, resultado das atividades praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se desenvolve. Este processo é fundamental para a interiorização do conhecimento – ou transformação dos conceitos espontâneos e científicos – através do processo de tornar intrapsíquico o que antes era interpsíquico. Consequentemente, a história da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal desta criança são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar (FERRARI, 2010b).Vygotsky faz uso de uma concepção histórica, da qual ele é adepto, transportando-a para o estudo da ciência, da psicologia e da história da psicologia. Ele utiliza o marxismo dialético para desenvolver suas pesquisas (FERRARI, 2010b).
Este uso que o Vygotsky faz da história não se restringe apenas à história da filogenética, nem à história do desenvolvimento da cultura dos povos, e, ainda, vai além da história da ontogenética.
O Marxismo, abordado na teoria de Vygotsky, refere-se a um conjunto de ideias filosóficas, econômicas, políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx e Friedrich Engels e desenvolvidas mais tarde por outros seguidores. Interpreta a vida social conforme a dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 35; FERRARI, 2010b).
O mundo não é uma realidade estática, ela é dinâmica, pois no contexto dialético, também o espírito não é consequência passiva da ação da matéria, podendo reagir sobre aquilo que o determina. Isso significa que a consciência, mesmo sendo determinada pela matéria e estando historicamente situada, não é pura passividade: o conhecimento do determinismo liberta o homem por meio da ação deste sobre o mundo, possibilitando inclusive a ação revolucionária (FERRARI, 2010b).
A partir de suas pesquisas, Vygotsky constata que no cotidiano das crianças, elas observam o que ou outros dizem, porque dizem o que falam, porque falam, internalizando tudo o que é observado e se apropriando do que viu e ouviu. Recriam e conservam o que se passa ao seu redor. Em função desta constatação, Vygotsky afirma que a aprendizagem da criança se dá pelas interações com outras crianças de seu ambiente, que determina o que por ela é internalizado (FERRARI, 2010b; SANTOS, 2005).
Na internalização, todos os processos intrapsíquicos – as formas de funcionamento cognitivo dentro do sujeito – se constroem a partir dos processos interpsíquicos, ocorridos pela vivência entre os sujeitos do mesmo grupo cultural. O que faz com que, paulatinamente, haja um processo de construção de estruturas linguísticas e cognitivas pelo sujeito e que é mediado pelo grupo.
Após a década de 70, a obra vygotskiana ultrapassa a barreira política-ideológica, penetrando nos países além das fronteiras da União Soviética, com isso Vygotsky ressurge no ocidente, e continua sua influência até os dias de hoje (FOSNOT, 1999, p. 38).
Referências
COLL, César. As contribuições da psicologia para a educação: teoria genética e aprendizagem escolar. In: LEITE, Luci Banks (Org). Piaget e a escola de Genebra. São Paulo: Cortez, 1992.
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lurdes Trassi. Psicologias – uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.
FERRARI, Márcio. Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio. Especial Nova Escola, São Paulo, n. 43, 16 jul. 2012a. Edição especial grandes pensadores. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-especiais/022.shtml#>. Acesso em: 13 out. 2012.
______. Lev Vygotsky, O teórico do ensino como processo social. Especial Nova Escola, São Paulo, n. 43, 16 jul. 2012b. Edição especial grandes pensadores. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-especiais/022.shtml#>. Acesso em: 13 out. 2012.
FOSNOT, Catherine Twomey (Org.) Construtivismo e educação: teoria, perspectivas e prática pedagógica. Porto Alegre: ArtMed, 1999. (Horizontes Pedagógicos).
SANTOS, José Henrique Oliveira. Introdução a lógica da teoria construtivista. Psicopedagogia On-Line, São Paulo, 6 nov. 2005. Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=720>. Acesso em: 13 out. 2012.
SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, José Luiz (Org). Introdução a linguística: objetos teóricos. São Paulo: Ática, 2002, p. 11-24.
WEISZFLOG, Walter (Ed.). Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2007. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/in-dex.php>. Acesso em: 26 jun. 2012.