Maria Lilian sempre precisou conciliar os estudos com a maternidade, o trabalho e as atividades domésticas. Hoje, ela enxerga a educação de uma maneira revolucionária.
Quando 20 anos tinha e estava grávida da primeira filha, Maria Lilian foi aprovada pela primeira vez para uma instituição pública de ensino superior. Mais de três décadas depois, aos 55 anos, ela celebra a quarta aprovação. Desta vez, por meio do Sisu 2022, alcançou o primeiro lugar no curso de gastronomia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde também estudou farmácia, direito e psicologia.
Assim como nas tentativas anteriores, Lilian estava otimista, mas revelou que não esperava a melhor colocação.
“Eu fiquei muito surpresa. Fiquei perguntando para minha filha se era verdade mesmo. Ela me mandou o print [do resultado do Sisu] e eu fiquei muito feliz”.
Natural do Rio Grande Norte e radicada na Paraíba, hoje ela trabalha como psicóloga, profissão que seguiu após a aposentadoria da área judicial, em que atuou como juíza do trabalho após ser aprovada em um concurso público no ano de 1995.
Mas, junto da realização de tantos sonhos, também esteve o desafio sempre presente de conciliar estudos e carreira profissional com a maternidade e as atividades domésticas.
“Todo o ensino superior, desde o primeiro curso [farmácia] tive que dividir o tempo com o trabalho no serviço público e com o cuidado com os filhos. Assim também foi quando cursei direito e psicologia. Agora, nas semanas em que me preparei para o Enem, não deixei de trabalhar no consultório em que trabalho como psicóloga”, explicou.
A gestão do tempo sempre foi importante para que Lilian conseguisse saber o que priorizar em casa momento. Afinal, as 24 horas de cada dia se tornavam poucas quando divididas entre a orientação e o cuidado com os filhos, a organização da casa, fazer o melhor possível no trabalho e estudar o suficiente para obter um bom resultado.
“Mas não exigi de mim mesma uma aprovação. Tive a consciência das minhas limitações e fiz o que estava ao meu alcance”, destacou.
Ex-aluna de escola pública, a psicóloga também recordou das desigualdades no acesso à educação que existem e perduram há tanto tempo.
“Desde aquela época [quando terminou o ensino médio] não era fácil concorrer com quem tinha condições financeiras para fazer os cursinhos que existiam na cidade. Eu utilizava transporte público durante todo o período em que estudei farmácia e direito. Isso me custava boas horas de espera”, lembrou.
Apesar de todas as barreiras, Lilian resistiu e se inspirou nos exemplos que tinha no ambiente famíliar.
“Eu nunca deixo de tentar e não gosto de desistir. Vejo que ferramentas eu tenho e as utilizo para buscar a minha realização. Gosto muito de aprender. Isso eu herdei na convivência com os meus pais e os meus filhos. Os meus pais fizeram curso superior quando já tinha filhos e tinham mais de 40 anos de idade”, contou.
Assim como muitas outras mães, mesmo se questionado se estaria negligenciando a criação dos filhos por não passar mais tempo com eles, ela seguiu em frente. A força era a consequência nos momentos de convivência e do incentivo que recebia deles dos filhos.
Estudos para o Enem e a escolha pelo curso de gastronomia
Os cursos escolhidos por Lilian geralmente não têm tantas semelhanças. Ela partiu de farmácia, para direito, depois para psicologia e agora gastronomia.
Desta vez, a preparação para o Enem aconteceu por meio de videoaulas e ainda com os livros da minha neta Letícia, que vai concluir o ensino médio neste ano. Com uma vasta bagagem a respeito do conteúdo da prova, temas de atualidades fora os mais lidos no último ano.
A escolha do novo curso foi guiada pelo desejo de aprender algo novo.
“Quis descobrir habilidades e adquirir novos conhecimentos. Busquei uma área desconhecida para mim”.
Ao longo de décadas de estudo e preparo, existe algo que Lilian aprendeu e gosta de compartilhar.
“Não há um tempo certo para buscar a realização dos nossos sonhos. É preciso acreditar em si mesma e saber, dentro das condições de vida de cada uma e das ferramentas disponíveis, o que é possível fazer e tentar sempre”, aconselhou.
Tendo a educação com a companheira de uma vida, ela continua lançando o olhar para novas possibilidades.
“Eu vejo o quanto o processo de aprendizagem é transformador e o quanto a educação pode ser revolucionária, isso na vida de cada um e também no coletivo”.