O desfralde coletivo –nome dado à prática nas escolas de iniciar a retirada da fralda em um grupo de crianças– não tem lógica biológica e pode representar um castigo social para a criança. É assim que o pediatra Felipe Lora, do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, justifica o fato de ser contra a estratégia adotada em algumas instituições. Segundo ele, para abandonar a fralda, a criança precisa se sentir segura e tranquila para perceber as necessidades fisiológicas, dar atenção a elas e calcular o tempo que necessita para chegar ao banheiro.
Mariane Franco, presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), afirma que o desfralde deve ser feito em um momento de intimidade familiar. “É uma transição na vida da criança. Requer dedicação dos pais e paciência. É preciso que aconteça no tempo certo, geralmente a partir de dois anos e meio, quando, normalmente, a criança já comanda os esfíncteres [estruturas que controlam a abertura e o fechamento da uretra e do ânus]”, diz.
Segundo a pediatra, essa função dos pais não pode ser transferida para a escola nem ser encarada como um peso pela família. O momento requer atenção individualizada.
Ainda assim, é grande o número de escolas e famílias que apóiam e praticam o desfralde coletivo. Em geral, funciona assim: em determinado momento do ano letivo, é feita uma reunião com os pais ou enviado um bilhete a eles, pedindo que, a partir de determinada segunda-feira, os alunos sigam para a escola sem fralda e com várias mudas de roupa.
No fim de semana que antecede a data, é solicitado que seja iniciada a retirada da fralda. “A cobrança quanto ao desfralde deve ser proporcional à maturidade da criança, sem estressá-la, pois quanto mais pressão, maior a chance de ela desenvolver um trauma”, afirma Lora.
Parceria com escola é bem-vinda
Mesmo defendendo com afinco que o desfralde deva ser feito em casa, os médicos reconhecem a importância da escola como parceira. Segundo Maria Amparo Martinez, pediatra do Hospital Santa Catarina, em São Paulo, estar entre iguais e acompanhar o processo dos colegas é construtivo para as crianças. “Elas pensam: ‘Acho que também posso fazer igual’”, fala.
A instituição pode colaborar incentivando a manutenção de tudo o que a criança já conseguiu com a família e comemorando os menores movimentos de sinalização da vontade de fazer cocô e xixi. “Esse, sim, é um processo seguro”, diz Mariane, da SBP.
“É bem-vindo também que os educadores incentivem o início da retirada da fralda ao perceberem que a criança demonstra estar preparada para ser desfraldada, conversando com os pais a respeito. Mas a escola não pode impor o processo de forma pasteurizada, desprezando a individualidade”, afirma Maria Amparo.
Lora recomenda que o desfralde comece em casa quando a criança der sinais de que está pronta para tal (demonstra incômodo por causa da fralda suja e tenta tirá-la, não quer fazer xixi ou cocô na frente de outras pessoas, mesmo estando de fralda, e avisa antes de fazer) e que tudo isso seja informado aos professores, para que eles possam colaborar com o processo, perguntando à criança se ela está com vontade de fazer xixi depois de ter bebido água, se quer tirar a fralda para fazer cocô no vaso sanitário e assim por diante.
No caso de crianças que passam o dia todo na escola, a recomendação é que o desfralde seja iniciado como em qualquer outra família. “Mas que seja feito em um fim de semana, durante as férias ou em um feriado, ou seja, quando a família puder, de fato, acompanhar de perto”, diz Maria Amparo.
Colaboração para o UOL