Alfabetizar com Poesia
Alfabetizar com Poesia |
Conheça um jeito diferente de alfabetizar com poesia
Escrito por: Mara Mansani
Fonte: Nova Escola
É muito bom estar em uma escola em que todos trabalham com tranquilidade e foco no objetivo de fazer com que os alunos avancem! Em 2012, dei aulas na EE Recanto São Manoel, em Salto de Pirapora (SP). Era uma escola de tempo integral, pequena e aconchegante, com apenas duas turmas (de 4º e 5º anos). Em uma das reuniões de planejamento, surgiu a ideia de trabalhar poemas com o objetivo de desenvolver leitura e escrita. Eu fiquei com aquela vontade de fazer isso de um jeito diferente. Pensando nisso, nasceu o projeto Poemisetas – Escrevendo e Vestindo Nossos Versos.
Gosto de definir o Poemisetas como uma viagem de sonhos e sentimentos por meio da leitura e da escrita, na qual o viajante veste a própria criação. É uma segunda pele, tatuada com palavras carregadas de nossas emoções.
O projeto foi realizado de agosto a dezembro, e todas as etapas foram desenvolvidas simultaneamente nas duas salas da escola – o 4º ano da professora Marlene Andrade e o meu 5º ano. Fizemos tudo em conjunto. Traçamos a rota e desenhamos as estratégias. O resultado está abaixo, para você ler e, quem sabe, se inspirar:
No sarau que encerrou o projeto, os alunos vestiram os próprios poemas – literalmente. (Foto: Mara Mansani |
1º passo: preparação
O primeiro desafio foi buscar um material de qualidade. Queríamos selecionar poemas de grandes escritores brasileiros. Fomos à biblioteca da escola, vasculhamos a internet, consultamos algumas edições de NOVA ESCOLA, o caderno de poemas das Olimpíadas da Língua Portuguesa e vários colegas. Foi até difícil escolher com tanta coisa maravilhosa à disposição. Olha só que time entrou na nossa lista: Cecília Meirelles, Vinicius de Moraes, Otávio Roth, Patativa do Assaré, José Paulo Paes, Cora Coralina, Manoel de Barros, Henriqueta Lisboa e outros.
2º passo: apresentação do projeto
Explicamos para os alunos que a proposta era ler alguns dos maiores poetas brasileiros e escrever seus próprios poemas para aprender a ler e escrever melhor. Falamos também sobre o produto final, que seria um livro, com todas as produções, mas não só isso. Cada um iria ganhar uma camiseta estampada com trechos de poemas escritos coletivamente e encerrar o projeto em um sarau para toda a comunidade escolar. Os alunos ficaram empolgados com a ideia!
3º passo: apresentação da vida e obra dos autores
Estudamos a vida e obra dos vários escritores que havíamos selecionado e declamamos alguns poemas feitos por eles. Os alunos adoraram e também puderam apresentar versinhos que sabiam. Ficaram admirados com as descobertas, principalmente sobre aqueles que já eram conhecidos por eles, como Vinicius de Moraes. A escola possuía uma biblioteca com muitos livros, que nossa diretora Ednéia fazia questão de deixar bem disponíveis. Essa etapa é muito importante para repertoriar os alunos e para descobrir o que eles já sabem. No caso da minha turma, vi que muitos gostavam dos poemas da Arca de Noé, do Vinicius. Que delícia de aulas!
4º passo: rodas de leitura
Fizemos várias rodas de leitura, para que as turmas pudessem conhecer melhor os poemas e as características de cada autor. Li para eles, e eles leram para todos, cada um à sua maneira. Fui explorando os recursos de escrita que surgiam, como o uso de rimas e repetições, os temas, a forma gráfica e outros elementos. Surgiram comentários interessantes. Quando lemos o Trem de Ferro, do Manuel Bandeira, os estudantes perceberam a intenção do escritor de dar ao texto o ritmo do trem por meio das repetições. Gostaram e riram muito do poema de Otávio Roth, Duas Dúzias de Coisinhas à Toa que Deixam a Gente Feliz, pois se identificaram com o tema do universo infantil e perceberam as rimas nos finais dos versos. Expliquei também sobre a estrutura de versos e estrofes e organizamos em cartazes, com o auxílio dos poemas impressos, como cada autor utilizou os recursos e estruturas do gênero. Essas atividades foram repetidas pelo menos seis vezes. Isso foi importante porque mais adiante, na hora de escrever, as crianças precisariam de bons exemplos.
5º passo: visita ao Museu da Língua Portuguesa
Antes de iniciar as oficinas de escrita, fizemos uma visita ao Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, um espaço que favorece muito (ou favorecia, já que no momento ele se encontra em reforma depois do triste incêndio que destruiu o prédio) a apropriação das obras literárias. Lá, os poemas projetados no teto e no chão, acompanhados por uma combinação de imagens e narração, pareciam ganhar vida. Alguns alunos se emocionaram até às lágrimas.
6º passo: oficina de escrita coletiva
Depois de acumular toda essa bagagem de aprendizados, chegou a hora de abrir as oficinas. Começamos a escrever coletivamente, com base em temas queridos da turma como brincadeiras, animais e coisas engraçadas. Escreveram em duplas, em grupos pequenos e com toda a classe. Além do papel de escriba nos momentos de composição com todos, eu orientei cada momento. Com cuidado, fazia as intervenções perguntando quais recursos de escrita eles poderiam utilizar, o porquê do tema escolhido etc. Fizemos pelo menos seis atividades. Quanta criatividade! Os alunos produziram textos bonitos, poéticos mesmo. Foi emocionante e surpreendente para mim. Em um poema, li o seguinte verso: “A tristeza é triste, mas tão triste que dói!”
7º passo: oficina de escrita individual
Nessa etapa, os alunos iam escrever sozinhos. Propus alguns temas e deixei também que escrevessem de forma livre. A inspiração fluiu naturalmente e eles produziram muito. Cada um em seu estilo, bem apropriados das características do gênero. Mais uma vez, foram pelo menos seis atividades que deram origem a poemas lindos, emocionantes e bem escritos.
8º passo: edição do livro
Para deixar o produto ainda mais completo, deixei que os alunos fizessem as ilustrações, uma atividade que aproveitei para conversar um pouco sobre os efeitos da combinação de imagem e escrita. Eles comentaram que sentem que os poemas, quando ilustrados, ficam mais completos. Então, editei o livro no computador e a turma ficou admirada com o resultado final. Era a hora de cada um levar seu exemplar para casa e compartilhar a criação.
Páginas do livro de poemas dos alunos do projeto, inspirados por grandes poetas brasileiros. (Foto: Reprodução) |
9º passo: as camisetas
Essa foi uma etapa trabalhosa. Editei no computador um logotipo para o projeto junto com os versos de um poema produzido coletivamente e desenhos dos alunos – era o Poemisetas. Imprimi esse material em folhas transfer e, com um ferro de passar roupa, transferi para a estampa para o tecido. Toda a equipe escolar ajudou, até a merendeira. Para cada aluno, fizemos uma camiseta personalizada com um verso diferente nas costas e o logotipo na frente. Dessa maneira, conforme as crianças se posicionassem lado a lado “vestidas” com os versos, recriaram o poema a cada mudança de lugar de forma interativa.
10º passo: o sarau poético
Pátio decorado com poemas pendurados ao vento, um varal com as camisetas, mesa com flores e exemplares dos livros e um tapete vermelho para receber os convidados. Os pais e pessoas da comunidade compareceram felizes e admirados. Toda a equipe escolar estava emocionada. Os alunos, atores principais, declamaram os textos. Entre muitas risadas e choros de emoção, encerramos o projeto distribuindo os exemplares e as camisetas. Todos os alunos vestiram as peças e brincaram de transformar o poema. Quem assistiu adorou a ideia! Como dizia um dos versos do Poemisetas: “Plantar a amizade! Colher felicidade!”
11º passo: avaliação
Dias depois do sarau, fizemos uma roda de conversa. Falamos sobre o que deu certo e o que precisava melhorar, e concluímos que o saldo foi positivo. Quanto a minha avaliação, pude ver meus alunos progredirem na leitura e na escrita de forma considerável. Passaram a ler mais e com mais fluência e autonomia, ampliaram seus conhecimentos, descobriram muitos textos e se apropriaram dos recursos de escrita. A estratégia de trabalhar com uma sequência que vai da apresentação de bons modelos à escrita individual foi decisiva.
Fonte: Blog Alfabetização – Nova Escola: Mara Mansani