Orientador Educacional: o mediador da escola
Orientador Educacional: o mediador da escola |
Convívio e parceria com os estudantes
Foto: Rodrigo Erib |
Recentemente, precisei sentar e conversar com um aluno que fez uma coisa errada. Os professores reclamavam que ele dava trabalho e provocava os colegas. Em nossa conversa, ele chorou muito e desabafou: ninguém enxergava suas qualidades. Eu disse: ‘Você tem de mostrar seu lado bom. É sua meta. Combinado?’ Ele respondeu que sim. Estávamos de acordo. Uma semana depois, a escola promoveu um passeio à exposição Diálogos no Escuro (ambiente em que se simula o cotidiano dos deficientes visuais) , na cidade de Campinas, a 98 quilômetros de São Paulo. Esse estudante foi. Para minha surpresa, quando estávamos no escuro para conversar com os guias cegos, ele fez as melhores perguntas. Queria saber se os guias eram vaidosos, como era o dia-a-dia deles etc. No fim do programa, um deles perguntou o nome do aluno e disse: ‘Eu enxergo muitas coisas boas em você’. A reação do estudante foi incrível. Ele me disse, comovido: ‘Puxa, o cara não enxerga, mas viu minhas qualidades’. Essas situações trazem um efeito positivo para toda a vida da pessoa.
Para fazer parte do convívio dos estudantes, chego meia hora antes do início das aulas, às 7 da manhã. Acho que o orientador não pode atuar só em classe, por isso acompanho a circulação no pátio, nos intervalos e nas atividades de grupo fora de sala. Estou sempre circulando entre eles.
Além disso, temos um encontro semanal com cada uma das turmas. Funciona como se fosse uma aula dentro da grade curricular, mas tem uma especificidade de temas. Por exemplo, do 6º ao 9º, eles passam pelo Projeto Vida e Saúde, no qual discutimos questões como alimentação, drogas, sexualidade, mídia e relação com o corpo.
No 7º ano, trabalhamos a entrada na adolescência. Nesses encontros, elaboramos cartazes com três colunas (eu critico, eu solicito, eu quero discutir) em que os estudantes, de forma anônima, colocam os fatos – sempre os fatos. Então, conversamos sobre cada assunto por categoria (respeito entre eles, uso inadequado do espaço etc.). As soluções vêm do grupo.
Todos pensam sobre como têm administrado os próprios conflitos. Incentivamos a formação de uma pessoa crítica, sempre em conjunto com o professor e a família.”
Ponte entre a turma e os professores
Foto: Danisio Silva/Tempo Editorial |
Moderamos as relações na unidade de ensino, verificando problemas e buscando soluções conjuntas. Tudo isso sem perder de vista o desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Por isso mesmo, nosso contato com os professores tem de ser muito próximo.
Como temos 750 alunos na unidade, a demanda é bem grande. Recebo diversos tipos de situação, como casos de indisciplina, dificuldade de aprendizagem e baixa frequência. Às vezes, observo um descompasso entre o docente e a história das famílias. Nesses casos, cabe a mim fazer a ponte.
No ano passado, por exemplo, os educadores vieram me avisar, preocupados, sobre um aluno que estava vivenciando a separação dos pais: ‘Lidnei, ele parou de vir à escola’. Acontece. A criança fica perdida nessa hora. Não está pronta para passar por aquilo e pode até desistir dos estudos por causa disso.
Eu e os professores nos juntamos para estimular o estudante a voltar para as aulas – afinal, estávamos perto do fim do ano escolar. Ligamos para os pais, pedindo que eles continuassem a trazê-lo. Conversamos individualmente com os amigos mais chegados ao rapaz para que eles pudessem de alguma forma ajudar. Queríamos, além de tudo, incentivar a solidariedade entre eles.
O resultado foi incrível. Pouco a pouco, o aluno foi voltando à escola. Se não fossem os educadores atuantes, fazendo essa ponte com a orientação, perderíamos o jovem. E ele ficaria atrasado nos estudos.
Toda essa interação com os professores é feita no dia-a-dia ou durante as reuniões pedagógicas trimestrais e de planejamento (mensais), quando discutimos também as temáticas que têm a ver com o cotidiano educacional na escola, sempre buscando ajudar o docente a encontrar o melhor caminho para o aluno.
Do 1º ao 5º ano, o professor é quem passa para o orientador as informações sobre os alunos, já que é possível manter um contato mais individualizado com a turma. Do 6º ano em diante, existe uma dificuldade maior. Até o docente conseguir identificar os problemas de aprendizagem, leva tempo. Por isso, preciso ajudá-lo, contando a história de cada aluno, as dificuldades ou habilidades, quem é a família e quem devemos chamar à escola em caso de complicações. São dados que levanto em conversas que tenho com cada jovem em outros momentos.
Outra questão é que acredito ser fundamental o contato dos professores com os pais. Nossa unidade não é uma ilha. É preciso discutir em conjunto o desenvolvimento das crianças. Com esse objetivo, programamos alguns eventos de interação – previstos para esse ano. Queremos chamá-los para alguns ciclos de palestras sobre as problemáticas da adolescência. É o nosso desafio em 2009: desenvolver projetos que tragam a comunidade para dentro do espaço da unidade de ensino de forma planejada e produtiva.”
Os pais como aliados no ensino dos filhos
“A EMEF Professor Gilberto Jorge Gonçalves da Silva, em Porto Alegre, foi uma conquista da comunidade do Morro Alto – que se mobilizou pela construção da escola junto à prefeitura. Por isso, o entorno está muito presente em nosso dia-a-dia. Tudo isso representa uma satisfação para mim, Suzana Moreira Pacheco, orientadora da unidade.
Como forma de perpetuar essa relação, sempre busco prestar apoio ao professor, ao estudante e à família. Junto aos pais, particularmente, promovo entrevistas e acolhimento de alunos que estejam chegando. Participamos ainda de fóruns ligados à proteção da criança e do adolescente e realizamos grupos de reflexão com a comunidade.
Tenho muitos casos interessantes que mostram o sucesso do trabalho. Um deles é o de uma família bastante carente que chegou à comunidade. Eles viviam em situação muito precária, num ambiente de dois cômodos com cinco filhos, uma matriculada em nossa unidade. Além disso, a mãe, Lusia Flores Machado (que aparece comigo na foto), nem sempre se entendia com a gente.
Em poucos dias, a aluna começou a faltar. Não pensei duas vezes: fui até a casa da família buscá-la. Às vezes, chegava e eles me diziam: ‘Ela se atrasou hoje…’ Eu respondia que não tinha importância. Esperava que eles a aprontassem e levava a menina para a aula, mesmo atrasada. Cansei de ir buscar essa aluna em sua residência.
Depois, o problema virou o material escolar. Vira e mexe, ela chegava sem nada para anotar. O fato é que todas as pessoas da família utilizavam o caderno. Ela, com 7 anos, não conseguia se organizar naquele espaço. Cheguei a sugerir que ela guardasse as coisas em uma caixa. Aos poucos, consegui pontuar com a família a importância de cuidar do material.
Ao mesmo tempo, acionei um trabalho em rede com outras instâncias, como o posto de saúde e a assistência social. Consegui que a família participasse de um programa de auxílio do governo. Isso para que eles tivessem uma estrutura mínima para que as crianças pudessem frequentar a escola.
Recentemente, essa mãe me procurou, avisando que tinha conseguido um trabalho e que não conseguiria mais levar um dos filhos, um aluno com deficiência, ao serviço da prefeitura para a educação inclusiva. Para ela, a prioridade era colocar dinheiro em casa, mas juntas encontramos uma alternativa, conciliando os dias da semana e os horários do serviço com o novo emprego. Nesse caso, ela fez tudo o que podia. Cabe ao orientador, dentro dos seus limites e com cuidado, ajudar a pessoa a enxergar a saída e acionar os recursos disponíveis.”