Daniel Goleman: “Temos de ensinar nossas crianças a ter empatia pelos outros e pelo mundo”
O psicólogo e pesquisador de Harvard fala sobre a importância de crianças desenvolverem o foco em suas próprias emoções e do efeito de suas ações nas outras pessoas e no mundo
O psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, agora dedica-se à educação no novo livro Foco Triplo (Foto: divulgação)
Por: FLÁVIA YURI OSHIMA
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ÉPOCA – O senhor tem um trabalho consolidado no mundo do trabalho e de carreira. Por que o senhor decidiu escrever agora sobre educação para crianças e adolescentes?
Daniel Goleman – Alguém com menos de 18 anos provavelmente nunca conheceu um mundo sem internet. Crianças de até 10 anos nunca viveram num mundo sem aparelhos portáteis por perto. Essas crianças e jovens crescem um mundo diferente, que continuará a mudar à medida que a tecnologia evolui. Escrevemos esse livro – eu e o Peter Senge – pensando em falar das habilidades que temos de ensinar para essa nova geração para ajudá-la a viver bem nesse mundo.
ÉPOCA – O que são os três tipos de foco?
Goleman – São o foco em si mesmo, o foco nos outros e o foco no mundo.
ÉPOCA – O senhor pode explicá-los?
Goleman – O foco interno trata de prestar atenção a si mesmo, em seu mundo interior para nos conectarmos com nossas aspirações e propositivos. O segundo tipo de foco trata-se da importância de sintonizarmos com outras pessoas, de termos empatia e sermos capazes de compreender a realidade alheia e de nos relacionar com essas realidades sob a perspectiva do outro. Peter Senge fez um trabalho incrível explicando o foco externo. É ele que dará para a criança a habilidade de perceber os sistemas e como eles se relacionam entre si, seja dentro da família, da escola, de uma empresa e do mundo como um todo. É muito mais do que levá-los a perceber o modo simplista “A causa B”, mas levá-los gradativamente a perceber que muitas vezes não há uma resposta certa ou errada.
Goleman – Há uma variedade ampla de conceitos, ferramentas e estratégias pedagógicas para desenvolver e aperfeiçoar essas habilidades nas crianças. O problema é que na maioria das escolas que visitamos as crianças não tinham acesso a esse tipo de ensino.
Goleman – Há exercícios muito simples que se mostraram altamente eficazes nessa tarefa. Um deles, adotado há anos numa escola primária de New Haven, consiste em organizar as crianças numa roda de conversa no início da aula e dar espaço para cada criança dizer como se sente naquele dia. Essa simples atitude faz com que os alunos criem o hábito de autoconsciência. Nomear as emoções com precisão ajuda as crianças a ter mais clareza acerca do que ocorre em seu íntimo. Esse é um fator essencial tanto para se tomar decisões lúcidas como para administrar as decisões ao longo da vida.
Goleman – Sim, a escola pode ensinar a criança a cultivar carinho e compaixão. Não se trata apenas de fazer o exercício mental de se colocar no lugar do outro. Diz respeito a de fato estar pronto para ajudar. Há experimentos que mostram que expor as crianças e jovens a conteúdos que enfatizem a importância disso já surtem efeitos. Num estudo feito em Princeton, estudantes de teologia receberam a missão de dar um sermão, pelo qual seriam avaliados. Metade deles se preparou para dar o sermão do Bom Samaritano, que conta a história de um homem que parava para a ajudar um estrangeiro na beira da estrada. Depois de um tempo de preparação, cada um dos estudantes se dirigia a um prédio diferente para dar o sermão. No caminho, passavam por um homem curvado e gemendo. Os pesquisadores queriam saber se o estudante pararia para ajudar, mesmo estando sob a pressão do tempo (tinham de chegar no horário) e da avaliação iminente.
Entre aqueles que estudaram o Bom Samaritano, o número de estudantes que se ofereceu a ajudar o homem foi 50% maior do que entre os que receberam sermões aleatórios.
Goleman – O “Dilema do Antropoceno” é a forma como os antropólogos falam da nossa era, em que um espécie – no caso, nós mesmos – são hoje parte de como todo o sistema da Terra funciona. O dilema é o seguinte: nossos cérebros foram desenhados para sobreviver em eras geológicas mais antigas, não na nova realidade do Antropoceno. O alarme do nosso cérebro nos desperta quando reconhece ameaças imediatas. Ocorre que as mudanças atuais de nosso planeta são críticas, mas são microscópicas demais para nossos sistemas perceptivos. Como não percebemos imediatamente as consequências negativas de nossos hábitos diários em maior escala, é fácil ignorá-las ou simplesmente fingir que não ocorrem. Para tomar decisões melhores, e é urgente que as novas gerações o façam, precisamos aprender a pensar sobre esses sistemas. Isso tem relação direta com nossa capacidade de desenvolver a empatia e o foco no mundo.