Vinicius de Moraes Poemas
Vinicius de Moraes Poemas: Vinicius de Moraes foi um poeta incomparável e autor de “Soneto de Fidelidade”, uma das mais importantes obras da literatura Brasileira, da peça “Orfeu da Conceição”, e ainda, um dos precursores da Bossa Nova no Brasil.
Vinicius de Moraes Poemas
A grande voz
É terrível, Senhor! Só a voz do prazer cresce nos ares.
Nem mais um gemido de dor, nem mais um clamor de heroísmo
Só a miséria da carne, e o mundo se desfazendo na lama da carne.
É terrível, Senhor. Desce teus olhos.
As almas sãs clamam a tua misericórdia.
Elas creem em ti. Creem na redenção do sacrifício.
Dize-lhes, Senhor, que és o Deus da Justiça e não da covardia
Dize-lhes que o espírito é da luta e não do crime.
Dize-lhes, Senhor, que não é tarde!
Senhor! Tudo é blasfêmia e tudo é lodo.
Se um lembra que amanhã é o dia da miséria
Mil gritam que hoje é o dia da carne.
Olha, Senhor, antes que seja tarde
Abandona um momento os puros e os bem-aventurados
Desvia um segundo o teu olhar de Roma
Dá remédio a esta infelicidade sem remédio
Antes que ela corrompa os bem-aventurados e os puros.
Não, meu Deus. Não pode prevalecer o prazer e a mentira.
A Verdade é o Espírito. Tu és o Espírito supremo
E tu exigiste de Abraão o sacrifício de um filho.
Na verdade o que é forte é o que mata se o Espírito exige.
É o que sacrifica à causa do bem seu ouro e seu filho.
A alma do prazer é da terra. A alma da luta e do espaço.
E a alma do espaço aniquilará a alma da terra
Para que a Verdade subsista.
Talvez, Senhor meu Deus, fora melhor
Findar a humanidade esfacelada
Com o fogo sagrado de Sodoma.
Melhor fora, talvez, lançar teu raio
E terminar eternamente tudo.
Mas não, Senhor. A morte aniquila — ao fraco a morte inglória.
A luta redime — ao forte a luta e a vida.
Mais vale, Senhor, a tua piedade
Mais vale o teu amor concitando ao combate último.
Senhor, eu não compreendo os teus sagrados desígnios.
Jeová — tu chamaste à luta os homens fortes
Tua mão lançou pragas contra os ímpios
Tua voz incitou ao sacrifício da vida as multidões.
Jesus — tu pregaste a parábola suave
Tu apanhaste na face humildemente
E carregaste ao Gólgota o madeiro.
Senhor, eu não os compreendo, teus desígnios.
Senhor, antes de seres Jesus a humanidade era forte
Os homens bons ouviam a doçura da tua voz
Os maus sentiam a dureza da tua cólera.
E depois, depois que passaste pelo mundo
Teu doce ensinamento foi esquecido
Tua existência foi negada
Veio a treva, veio o horror, veio o pecado
Ressuscitou Sodoma.
Senhor, a humanidade precisa ouvir a voz de Jeová
Os fortes precisam se erguer de armas em punho
Contra o mal — contra o fraco que não luta.
A guerra, Senhor, é em verdade a lei da vida
O homem precisa lutar, porque está escrito
Que o Espírito há de permanecer na face da Terra.
Senhor! Concita os fortes ao combate
Sopra nas multidões inquietas o sopro da luta
Precipita-nos no horror da avalancha suprema.
Dá ao homem que sofre a paz da guerra
Dá à terra cadáveres heroicos
Dá sangue quente ao chão!
Senhor! Tu que criaste a humanidade.
Dize-lhe que o sacrifício será a redenção do mundo
E que os fracos hão de perecer nas mãos dos fortes.
Dá-lhe a morte no campo de batalha
Dá-lhe as grandes avançadas furiosas
Dá-lhe a guerra, Senhor!
A Galinha D’angola
Coitada
Da galinha-
D’angola
Não anda
Regulando
Da bola
Não para
De comer
A matraca
E vive
A reclamar
Que está fraca:
— “Tou fraca! Tou fraca!”
A foca
Quer ver a foca
Ficar feliz?
É pôr uma bola
No seu nariz.
Quer ver a foca
Bater palminha?
É dar a ela
Uma sardinha.
Quer ver a foca
Fazer uma briga?
É espetar ela
Bem na barriga!
Vinicius de Moraes Poemas – A floresta
Sobre o dorso possante do cavalo
Banhado pela luz do sol nascente
Eu penetrei o atalho, na floresta.
Tudo era força ali, tudo era força
Força ascencional da natureza.
A luz que em torvelinhos despenhava
Sobre a coma verdíssima da mata
Pelos claros das árvores entrava
E desenhava a terra de arabescos.
Na vertigem suprema do galope
Pelos ouvidos, doces, perpassavam
Cantos selvagens de aves indolentes.
A branda aragem que do azul descia
E nas folhas das árvores brincava
Trazia à boca um gosto saboroso
De folha verde e nova e seiva bruta.
Vertiginosamente eu caminhava
Bêbado da frescura da montanha
Bebendo o ar estranguladamente.
Às vezes, a mão firme apaziguava
O impulso ardente do animal fogoso
Para ouvir de mais perto o canto suave
De alguma ave de plumagem rica
E após, soltando as rédeas ao cavalo
Ia de novo loucamente à brida.
De repente parei. Longe, bem longe
Um ruído indeciso, informe ainda
Vinha às vezes, trazido pelo vento.
Apenas branda aragem perpassava
E pelo azul do céu, nenhuma nuvem.
Que seria? De novo caminhando
Mais distinto escutava o estranho ruído
Como que o ronco baixo e surdo e cavo
De um gigante de lenda adormecido.
A cachoeira, Senhor! A cachoeira!
Era ela. Meu Deus, que majestade!
Desmontei. Sobre a borda da montanha
Vendo a água lançando-se em peitadas
Em contorções, em doidos torvelinhos
Sobre o rio dormente e marulhoso
Eu tive a estranha sensação da morte.
Em cima o rio vinha espumejante
Apertado entre as pedras pardacentas
Rápido e se sacudindo em branca espuma.
De repente era o vácuo embaixo, o nada
A queda célere e desamparada
A vertigem do abismo, o horror supremo
A água caindo, apavorada, cega
Como querendo se agarrar nas pedras
Mas caindo, caindo, na voragem
E toda se estilhaçando, espumecente.
Lá fiquei longo tempo sobre a rocha
Ouvindo o grande grito que subia
Cheio, eu também, de gritos interiores.
Lá fiquei, só Deus sabe quanto tempo
Sufocando no peito o sofrimento
Caudal de dor atroz e inapagável
Bem mais forte e selvagem do que a outra.
Feita ela toda da desesperança
De não poder sentir a natureza
Com o espírito em Deus que a fez tão bela.
Quando voltei, já vinha o sol mais alto
E alta vinha a tristeza no meu peito.
Eu caminhei. De novo veio o vento
Os pássaros cantaram novamente
De novo o aroma rude da floresta
De novo o vento. Mas eu nada via.
Eu era um ser qualquer que ali andava
Que vinha para o ponto de onde viera
Sem sentido, sem luz, sem esperança
Sobre o dorso cansado de um cavalo.
Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
O autor escreveu e ajudou a musicar um disco de músicas infantis, lançado em 1970. Da obra, a música “O Pato” é uma das mais conhecidas.
O Pato
Lá vem o pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o pato
Para ver o que é que há.
O pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela.
Vinicius de Moraes Poemas – A brusca poesia da mulher amada
Longe dos pescadores os rios infindáveis vão morrendo de sede lentamente…
Eles foram vistos caminhando de noite para o amor — oh, a mulher amada é como a fonte!
A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo
A mulher amada é como o lago dormindo no cerro perdido
Mas quem é essa misteriosa que é como um círio crepitando no peito?
Essa que tem olhos, lábios e dedos dentro da forma inexistente?
Pelo trigo a nascer nas campinas de sol a terra amorosa elevou a face pálida dos lírios
E os lavradores foram se mudando em príncipes de mãos finas e rostos transfigurados…
Oh, a mulher amada é como a onda sozinha correndo distante das praias Pousada no fundo estará a estrela, e mais além.
A estrela polar
Eu vi a estrela polar
Chorando em cima do mar
Eu vi a estrela polar
Nas costas de Portugal!
Desde então não seja Vênus
A mais pura das estrelas
A estrela polar não brilha
Se humilha no firmamento
Parece uma criancinha
Enjeitada pelo frio
Estrelinha franciscana
Teresinha, mariana
Perdida no Pólo Norte
De toda a tristeza humana.
Vinicius de Moraes Poemas – A esposa
Às vezes, nessas noites frias e enevoadas
Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos
Essa estranha visão de mulher calma
Surgindo do vazio dos meus olhos parados
Vem espiar minha imobilidade.
E ela fica horas longas, horas silenciosas
Somente movendo os olhos serenos no meu rosto
Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.
Nada diz, nada pensa, apenas olha — e o seu olhar é como a luz
De uma estrela velada pela bruma.
Nada diz. Olha apenas as minhas pálpebras que descem
Mas que não vencem o olhar perdido longe.
Nada pensa. Virá e agasalhará minhas mãos frias
Se sentir frias suas mãos.
Quando a porta ranger e a cabecinha de criança
Aparecer curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo
Ela apontará para mim pondo o dedo nos lábios
Sorrindo de um sorriso misterioso
E se irá num passo leve
Após o beijo leve e roçagante…
Eu só verei a porta que se vai fechando brandamente…
Ela terá ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei.
Frases de Vinicius de Moraes
- “Eu talvez não tenha muitos amigos, mas os que eu tenho são os melhores que alguém poderia ter.”
- “Eu poderia, embora não sem dor, perder todos os meus amores, mas morreria se perdesse todos os meus amigos.”
- “Se o cachorro é o melhor amigo do homem, então uísque é o cachorro líquido.”
- “Se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente em pleno carnaval.”
- “A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros nesta vida.”
- “A vida é a espera da morte. Faça da vida um bom passaporte.”
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