Aumento para professores: de onde veio a lei e até onde vai a discussão
Aumento de 33% no piso do magistério não é decisão do governo federal, mas mero cumprimento da lei e valores do novo Fundeb, dizem defensores; prefeituras afirmam que não há recursos.
O piso salarial dos professores, em vigor desde 2008, ganhou os holofotes em Brasília nesta semana, colocando em embate o governo federal, prefeitos, governadores e especialistas em educação. O aumento previsto de 33% do salário inicial da categoria é herança do novo Fundeb, fundo nacional da educação básica que ampliou os montantes transferidos da União a estados e municípios. Mas prefeitos questionam a legislação e afirmam que, mesmo com o novo Fundeb, não há recursos suficientes.
Com o debate, as prefeituras, que arcariam com parte da conta, acusam o governo do presidente Jair Bolsonaro de só estar fazendo cumprir a lei por uma medida eleitoreira. Especialistas em educação, na outra ponta, defendem que quando o Fundeb foi ampliado pelo Congresso, em 2020, o objetivo era exatamente obter uma valorização salarial dos professores – e que prefeituras específicas que não têm recursos devem discutir caso a caso, mas não tentar barrar a lei como um todo.
Desde 2008, o reajuste do piso dos professores está relacionado à variação do valor por aluno anual do Fundeb. Atualmente, o piso salarial dos professores é de pouco mais de 2.800 reais por 40 horas semanais. Como o valor que o Brasil investiu por aluno subiu 33% com o novo Fundeb, neste ano o piso chegaria à casa dos 3.800 reais, o que motivou o embate.
É um aumento substancial, mas que ocorre porque o aumento nos recursos repassados pelo Fundeb também foi substancial, dizem defensores da medida. “A ideia de valorização significa justamente ir acima da inflação: dar mais valor progressivamente, tornar a carreira do magistério mais atrativa para quem pretende ingressar e assim, atrair bons profissionais e melhorar a qualidade”, diz o jurista Salomão Ximenes, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos principais nomes do debate em política educacional.
Embora o governo federal banque parte dos recursos via Fundeb, o pagamento de salário na ponta é feito por estados e municípios.
Aí reside o imbróglio. Associações de prefeitos defendem um aumento de 10,2%, equivalente à inflação de 2021 (medida pelo INPC, um índice inflacionário). Os prefeitos afirmam que mesmo o aumento do Fundeb não será suficiente para cumprir o piso, que acarretaria em custo adicional na casa dos 30 bilhões de reais nas contas municipais.
“Por isso, sugerimos que [o governo federal] editasse uma Medida Provisória com correção pela inflação, o que mesmo assim já acarretaria em 10 bilhões a mais de custo para a Prefeitura”, diz o advogado e ex-prefeito Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
O governo federal, em 14 de janeiro, questionou o reajuste de 33%, dando a entender que não cumpriria a regra. Depois, voltou atrás, o que Ziulkoski diz que pegou os prefeitos de surpresa. “Dar aumento com recursos dos outros é fácil. Não adianta dizer que só os prefeitos não querem valorizar os professores. Temos que entender a nossa realidade”, diz.
De onde vem 33% de aumento?
A política do piso salarial não é uma novidade: existe desde 2008, na lei 11.738. Antes disso, cada governador ou prefeito pagava o que estabelecia sozinho. O piso já havia gerado polêmica no começo, quando entes federativos levaram o caso ao Supremo Tribunal Federal em 2009, também alegando que não dispunham de recursos. Mas o STF decidiu a favor do piso.
Desde então, se convencionou que o piso seria reajustado de acordo com o valor por aluno do Fundeb (o que ocorreu primeiro com Lula e Dilma Rousseff, depois com Michel Temer e, por fim, nos primeiros anos de Bolsonaro). O valor do Fundeb é calculado com base em uma cesta de impostos. Se a arrecadação não aumenta, não há reajuste.
“Isso fez com que professores não tivessem reajuste no piso no ano passado, por exemplo, devido à queda de arrecadação com a crise em 2020”, diz a especialista em finanças de educação, Nalú Farenzena, vice-presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Os prefeitos argumentam que o piso do magistério subiu 204% entre 2009 e 2021, acima da inflação no INPC (104%) e do crescimento do próprio Fundeb (143%). Segundo a EXAME apurou, parte dos governadores também é contra o aumento, mas temem as repercussões em ano eleitoral.
Apesar das altas desde a criação do piso, o Brasil paga aos professores metade da média dos países da OCDE, que inclui vizinhos como o Chile e a Colômbia. Professores também perdem para outras carreiras: um professor ganha, em média, cerca de 80% do que ganha a média dos profissionais brasileiros com ensino superior. Equiparar esse valor é um objetivo brasileiro desde 2014, quando foi aprovado o Plano Nacional de Educação.
O impacto do novo Fundeb
A crise do coronavírus ainda persiste e afeta as contas dos entes federativos. Mas o que mudou neste ano para que se chegasse a 33% de variação foi exatamente a aprovação do novo Fundeb.
Uma vez que o fundo criado em 2007 expiraria em 2020, o Congresso o tornou permanente e o ampliou, com mais recursos vindos do governo federal. Com o novo Fundeb, a complementação da União ao que os estados aportam no fundo passou dos antigos 10% mínimos para 12,5% em 2021 – e chegará a 23% até 2026, obrigatoriamente.
O Fundeb em 2022 é previsto para a casa dos 226 bilhões de reais, com a União contribuindo com pouco mais de 20 bilhões. Em 2020, último ano antes do novo Fundeb, foi de 165 bilhões (com pouco mais de 13 bilhões da União).
O Fundeb é considerado um sucesso em política educacional desde sua existência em 2007 porque fez com que o governo federal, que tem mais recursos, ajudasse estados e municípios a cumprir um valor mínimo investido em educação, o que levou a redução de desigualdades regionais, expansão da oferta de vagas e melhoria da qualidade.
O patamar ainda está longe do ideal, e um dos objetivos do novo Fundeb é fazer com que o Brasil amplie os investimentos, que estão abaixo da OCDE.