Estudo dos EUA diz não haver evidências de que presença de policiais aumente segurança e previna ataques em escolas

Depois de um ataque em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas afirmou que estuda contratar policiais para atuar permanentemente no ambiente escolar. Nos Estados Unidos, pesquisas questionam a eficácia da medida, que se popularizou no país no início dos anos 2000.

Depois de um estudante de 13 anos atacar cinco pessoas com uma faca numa escola pública estadual na capital paulista nesta segunda-feira (27), o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que estuda colocar policiais nas escolas de forma permanente.

“Já estamos estudando formas de viabilizar a contratação de policiais da reserva para que eles fiquem de forma permanente nas escolas e ajudem a tornar o ambiente mais seguro”, publicou Freitas em uma rede social nesta segunda-feira (27). Ele já tinha antecipado a ideia ao blog da Andreia Sadi.

Nos Estados Unidos, uma agência de pesquisa governamental analisou dezenas de revisões de pesquisas publicadas entre 2000 e 2020 sobre o policiamento escolar e concluiu que a presença de policiais não aumentou a segurança nas escolas e não preveniu ataques violentos.

Tiroteios

O relatório do Instituto Nacional de Justiça, a agência de pesquisa do Departamento de Justiça americano, publicado em fevereiro do ano passado, aponta que policiais baseados em escolas estavam presentes em alguns dos tiroteios com o maior número de vítimas, como os casos de Parkland e Santa Fe, ambos em 2018, com 17 e 10 mortos, respectivamente.

Também nesta segunda-feira (27), a mais de 7.800 km de São Paulo, uma mulher matou três crianças e três adultos em um ataque a tiros em uma escola privada de Nashville, no Tennessee. Já são 89 tiroteios neste ano no país, conforme o K-12 School Shooting Database, um projeto independente online.

O documento do Instituto Nacional de Justiça destaca que há apenas “relatos anedóticos” de policiais que impediram ataques planejados, coletados pela Fundação Nacional de Polícia.

“O desafio de usar histórias ou anedotas é que geralmente há um exemplo de cada categoria que qualquer lado em um debate pode usar para defender seu caso”, afirma o relatório.

Outra pesquisa, da Universidade de Albany, analisou escolas entre 2014 e 2018 e concluiu que policiais em escolas não previnem tiroteios em massa e outras ocorrências mais graves com o uso de arma de fogo.

Segurança

Por outro lado, o estudo da Universidade de Albany aponta que os policiais “protegem estudantes de um número importante de ataques físicos e brigas dentro das escolas — um efeito que pode gerar uma variada gama de benefícios de longo prazo tanto acadêmicos quanto psicológicos”.

Ainda assim, a pesquisa afirma que ter policiais dentro das escolas também leva a punições mais rigorosas contra os estudantes, “particularmente estudantes negros, estudantes do gênero masculino e estudantes com deficiência”.

As evidências reunidas no relatório do Instituto Nacional de Justiça vão na mesma direção e apontam que a presença policial em escolas está relacionada a alguns efeitos negativos, como o “aumento de punições excludentes”, especialmente para estudantes de minorias raciais ou étnicas.

O relatório destaca a revisão mais completa já realizada, que analisou estudos comparativos de escolas com policiamento e escolas sem policiamento. O resultado apontou que as escolas sem policiamento tiveram aproximadamente 3% menos crimes e problemas disciplinares do que as escolas com policiais.

“Isso não quer dizer que nenhum impacto positivo tenha sido relatado sobre o policiamento escolar, mas eles são fragmentados e inconsistentes”, afirma o documento, produzido para subsidiar o Congresso americano.

Histórico e financiamento

Os primeiros programas de policiamento em escolas nos Estados Unidos foram implementados nos anos 1950, mas se popularizaram – e passaram a receber financiamento do governo federal – depois do massacre de Columbine, em 1999, que vitimou 13 pessoas.

O modelo mais comum é o do “school resource officer” (SRO, na sigla em inglês), em que policiais são designados regularmente para uma escola pelo departamento local de segurança. Os policiais são, supostamente, treinados para atuar no ambiente escolar e, no geral, têm permissão para portar armas de fogo mesmo dentro das escolas.

No ano 2000, o governo americano investiu US$ 68 milhões na contratação de 599 SROs em 289 comunidades do país. A estimativa é que, desde então, governos estaduais e municipais investiram cerca de US$ 1 bilhão em policiamento escolar.

Não há uma base de dados nacional sobre a quantidade desse tipo de policial nos Estados Unidos. A associação nacional de SROs estima que haja entre 14 mil e 20 mil deles em serviço em todo o país. Em 2018, 42% das escolas públicas contavam com pelo menos um policial permanente, segundo o Centro Nacional para Estatísticas em Educação.

Para efeitos de comparação, um levantamento da ONG União Americana pelas Liberdades Civis apontou que 14 milhões de crianças e jovens americanos estudam em escolas com policiais, mas sem conselheiros, psicólogos, enfermeiros ou assistentes sociais.

Segundo o Justice Policy Institute, uma ONG que trabalha com os sistemas de justiça juvenil e criminal nos EUA, como a ocorrência de crimes graves é relativamente rara dentro das escolas, os policiais acabam passando a maior parte do tempo investigando pequenos incidentes – apesar de representarem um gasto significativo.

Por esse e outros motivos, a organização recomenda o fim do investimento federal em programas de policiamento.

“Nós acreditamos que o investimento em policiais pode ser mais efetivamente usado em conselheiros e outras alternativas”, afirma o pesquisador Jeremy Kittredge, do Justice Policy Institute, em entrevista concedida ao g1 por email.

“Essa política já foi colocada em ação. Em 2020, Portland votou para eliminar a presença policial dos seu distrito escolar — economizando US$ 150 mil da comunidade. Esse dinheiro foi reinvestido em treinamentos de prevenção da escalada de conflitos para os funcionários da escola”, diz Kittredge, que defende que esse tipo de iniciativa seja feita em grande escala com o financiamento federal.